Discurso de Chávez repercute no Fórum Social
O discurso do presidente venezuelano Hugo Chávez feito na
noite de
ontem (27) defendendo a construção de uma frente antiimperialista
internacional recebeu apoio de diversos líderes sociais e intelectuais
que
participam do Fórum Social Mundial. Uma avaliação comum, ainda que não
unânime, é a de que, assim como disse Chávez, iniciativas cada vez mais
agressivas dos Estados Unidos nos planos político, econômico e militar
requerem uma resposta coordenada de movimentos sociais e governos
alinhados.
Nesse caso, o próprio Fórum poderia se tornar um espaço de articulação.
?O Fórum tem de dar um salto na qualidade na sua intervenção política,
não pode ser só um espaços de debates, mas também de construção de uma
alternativa política internacional. O presidente Chávez nos convidou
para uma
tarefa muito difícil, mas me parece que bastante necessária?, disse o
argentino Atílio Borón, secretário-geral do Conselho Latino-americano
de
Ciências Sociais e professor da Universidade de Buenos Aires.
O hondurenho Rafael Alegria, membro da coordenação internacional da Via
Campesina, seguiu o mesmo caminho e disse que ?é preciso dar um salto
de
qualidade ideológica, política, militante e de luta popular no Fórum?.
?O pronunciamento de Chávez teve posições muito exatas e propostas
interessantes para escutar e levar adiante?, apontou a argentina Nora
Cortiñas, uma das fundadoras das Mães da Praça de Maio.
Seu compatriota, o cineasta Fernando Solanas, exaltou os passos dados
pelo
governo venezuelano para incentivar a integração latino-americana. Além
dos
acordos que envolvem troca de combustível por serviços em educação e
saúde, firmado com Cuba, e por produtos agrícolas e carne, com a
Bolívia,
Venezuela, Brasil e Argentina planejam a contrução de um gasoduto com
vistas
à integração energética do continente.
?A idéia de união da América Latina proposta por Chávez é uma política
chave e possuidora de uma grande generosidade, inteligência e visão
estratégica. Graças a seus aportes está se possibilitando esta
concentração, que coincide com a onda dos povos latino-americanos
depois da
era neoliberal. Primeiro as ditaduras, depois o terrorismo de mercado,
e agora
o pêndulo está passando para o protagonismo dos povos?, afirmou
Solanas.
Apesar da repercussão positiva, o discurso de Chávez pregando
coordenação e
unicidade no Fórum está longe de ter agradado a todos. Historicamente,
há
entre os organizadores do encontro um racha entre os que acreditam que
o Fórum
deve tirar uma pauta de objetivos a cada ano, e os que afirmam que isso
distorceria sua concepção original, violando a pluralidade dos
movimentos
sociais. Para Chávez, que afirmou que o Fórum corre o risco de
folclorizar-se, a primeira opção é a que vale.
Em seu discurso, realizado num ginásio na periferia de Caracas e
promovido por
diversos movimentos sociais, entre eles o MST e a Via Campesina, o
presidente
venezuelano fez referências à Conferência de Bandung, realizada em
1955.
Esse encontro, convocado pelos governos da anfitriã Indonésia, da
Birmânia,
do Ceilão, da Índia e do Paquistão, marcou a entrada do chamado
terceiro
mundo na cena internacional. Defendia como princípios o fim do
colonialismo e
o direito à autodeterminação dos povos.
"No século XX, se abriu uma porta na África e na Ásia, com a
conferência de
Bandung, na Indonésia. Líderes de vários países como Nehru, Nasser,
Sukarno, impulsionaram aquele projeto. E o impulsionaram desde posições
de
poder, de governo. Mas acabaram se dispersando e o povo voltou a cair
na
desesperança?, disse Chávez. Agora não há mais tempo. "Devemos nos
unir,
governos, forças políticas e movimentos sociais para construir uma
grande
frente antiimperialista e travar uma batalha no mundo inteiro,
respeitando a
diversidade e a autonomia de cada um?, completou.
A Conferência de Bandung é também a grande inspiradora do documento
?Chamada de Bamako?, lançado às vésperas do Fórum Social Mundial
encerrado no início desta semana no Mali. Articulada pelo Fórum do
Terceiro
Mundo, o Fórum por um Outro Mali, pela ENDA, uma das maiores
organizações
não governamentais africanas, e pelo Fórum Mundial das Alternativas,
presidido pelo egípcio Samir Amin, a ?Chamada de Bamako? traz dois
objetivos centrais.
Primeiro, a tomada dos fóruns de gestão do capitalismo neoliberal, ou
seja, a
transformação ou substituição de instituições como a Organização
Mundial do Comércio e o Fundo Monetário Internacional. Segundo,
combater o
terrorismo de Estado praticado pelos EUA para garantir a manutenção da
ordem
vigente. Um passo além em relação à Bandung é que a reconstrução desta
frente de países do sul seria baseada na organização da sociedade civil
e
não necessariamente na cooperação entre governos.
Em termos práticos, será possível saber melhor se a proposta de Chávez
e a
?Chamada de Bamako? terão futuro na Assembléia dos Movimentos Sociais,
que fecha o Fórum Social Mundial no domingo (29). ?A responsabilidade
por
obter esse resultado (unidade de propostas) é fundamentalmente dos
atores
sociais que aqui estão. Nós temos uma ferramenta que é a Assembléia dos
Movimentos Sociais, que busca exatamente isso: construir convergências
e
plataformas comuns. A questão é saber qual o grau de aderência essas
propostas terão?, explica Gustavo Codas, membro do Conselho
Internacional do
Fórum.
?Ao longo das edições do Fórum nós temos avançado dentro da assembléia
dos movimentos sociais na construção de uma plataforma global. Os atos
contra
a guerra em 15 de fevereiro de 2003 e em 20 de março de 2004 são
resultado
desta articulação?, completa a brasileira Sandra Quintela, da rede
Jubileu
Sul. Segundo ela, a linha da proposta apresentada por Chávez vai no
sentido de
fortalecer este tipo de ações, ?pois o Fórum deve sim tirar propostas,
nem
que seja uma?.
Já próximo do final da sexta edição do Fórum, tudo leva a crer que,
pelo
segundo ano seguido, Chávez será o principal personagem do encontro. Na
edição do ano passado, ele roubou a cena e deixou em segundo plano o
presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Chávez também faz a
alegria de vendedores ambulantes que se espalham por toda Caracas. Aqui
é
possível comprar muitos itens que fazem referência ao presidente
venezuelano,
como fotografias, camisetas e até a constituição bolivariana, pelo
equivalente a dois dólares.