Indígenas falam sobre o significado do territòrio para a sua vida

2006-01-29 00:00:00

No calendário do povo Kichwa, o primeiro dia do ano é aquele em que os relógios de sol localizados no centro do mundo não registram nenhuma sombra. O indígena Benjamin Inuca conta que o nome da capital do Equador, Quito, significa centro do mundo no idioma Kichuwa, falado pelo povo de mesmo nome que vive na região andina da América do Sul, em países como Equador, Colômbia e Peru. Para os Kichwa, o primeiro dia do ano é 20 de março e o ano dura as 13 voltas que a lua dá em volta da terra.

Entre agosto e setembro, este povo planta milho e, como a fertilidade da terra é semelhante à fertilidade das mulheres, em 20 de setembro celebra-se a festa das mulheres. De setembro até dezembro, o milho começa a crescer e é necessário cuidar dele, assim como se cuida das crianças. Por isso, em 21 de dezembro celebra-se a festa das crianças. A data coincide com o dia do segundo solstício do ano.

Em março, as plantações florescem e os frutos começam a nascer: é quando acontece a festa dos jovens, no período do primeiro equinóceo. Em junho, já é possível colher os primeiros frutos do milho plantado, e a festa da colheita é também a "festa das pessoas".

A organização do tempo e da vida para os Kichwa está profundamente ligada aos prazos da produção de alimentos e às atividades que são realizadas em suas terras, assim como acontece nas vidas de muitos outros povos indígenas de todo o continente americano. "Esta é a concepção sobre a qual queremos redescobrir esta discussão sobre territorialidade. Não é só falar da terra, mas de toda esta relação com a terra", afirmou Benjamin Inuca, da Federação de Povos Kichwas da Serra Norte do Equador, em debate realizado por sua entidade no quarto dia do Fórum Social Mundial, que acontece em Caracas, na Venezuela.

"Os espanhóis não conseguiram exterminar a nossa relação com a terra, mas transformaram nossas festas das mulheres e da fertilidade em festas das virgens, das Marias", afirmou Inuca, que mostrou a proximidade das datas de outras festas católicas ás datas do calendário Kichwa, como o Carnaval a Páscoa, celebrados em período próximo ao da festa dos jovens daquele povo.

No processo da colonização, enquanto o novo calendário e um novo idioma eram impostos, as terras onde os indígenas viviam foram sendo tomadas deles. Hoje, um dos problemas enfrentados pelos povos indígenas equatorianos é a criação de reservas ambientais nos locais onde eles ainda podem viver. "O governo diz que tem que declarar áreas protegidas para que os humanos não as toquem, para que sejam conservadas. Mas nós temos vivido nestas terras há centenas de anos e elas continuam conservadas", afirma Benjamin Inuca, ao defender o direito de seu povo à terra.