Receita para superar o neoliberalismo

2006-01-27 00:00:00

Um clima de otimismo ronda a edição de Caracas (Venezuela) do 6º Fórum
Social Mundial (FSM). No seio da revolução bolivariana liderada pelo
presidente venezuelano Hugo Chávez e no calor da vitória de Evo Morales
nas eleições bolivianas, os militantes incorporam a convicção de que o
imperialismo pode ser derrotado e o neoliberalismo superado.

Na manhã do dia 26, Leo Panitch, cientista político da Universidade
York, de Toronto (Canadá), deu pistas de como isso deve acontecer. Para
ele, o neoliberalismo não é apenas um conjunto de idéias econômicas, mas
sim uma política imperialista. Seu interesse na transformação da água e
da saúde em mercadorias são mostras disso. E, na maioria dos casos,
essas deciosões são tomadas em sintonia direta com os Estados Unidos e as
organizações multilateriais.

Segundo o sociólogo argentino Atilio Borón, secretário executivo do
Centro Latinoamericano de Ciências Sociais (Clacso), todos os países da
América Latina, exceto Cuba e Venezuela, se encontram dentro desse
modelo. “É negociação permanente com os organismos do imperialismo”, avalia
Borón.

Panitch ressalta que tão pouco o neoliberalismo pode ser identificado
apenas nas instituições, ele também está, informalmente, com suas
práticas entranhadas no Estado e na sociedade. E os Estados Unidos têm uma
participação muito eficiente nisso tudo. Segundo Borón, toda a academia é
dominada pelo pensamento neoliberal e neoconservador. “Líderes de
esquerda foram, historicamente, formados por universidades públicas. Hoje,
vemos a expansão do ensino privado, pondo em prática um processo de
dominação ideológica. A ideologia da sobrevivência dos mais aptos; mais
aptos às regras frias do capital”, revela o sociólogo.

Dominação
De acordo com a linha de raciocínio neoliberal, a liberdade para o
mercado gera crescimento da economia, o que, naturalmente distribuiria
renda melhorando a vida das pessoas como um todo. Nada da pobreza e da
concentração de renda do mundo real. Mas, segundo Panitch, a verdade é que
imperialismo estadunidense usa o neoliberalismo como uma forma de
perpetuar-se no controle, defendendo a propriedade privada.

Uma outra faceta do imperialismo estadunidense é a diferença com
relação ao imperialismo colonial. Neste último, faz-se necessário ocupar
territórios para dirigir a nação. Os Estados Unidos até se utilizam desse
expediente, como no Iraque, mas, via de regra, os meios centrais de
dominação continuam sendo o que Condoleezza Rice, secretária de Estado
estadunidense, chama de “diplomacia transformadora”. As embaixadas dos
Estados Unidos espalhadas pelo mundo têm um papel ativo nessa estratégia.

“Naturalmente, comandar um processo assim é mais difícil do que era no
imperialismo colonial. Dessa forma, não importa os sucessos que tiveram
até agora, os Estados Unidos encontram muitas falhas e resistências”,
pondera Panitch. Aí está a importância da mobilização popular e de
espaços como o FSM. Mas também não se pode pensar que em Caracas está o
centro da resistência, assim como Davos, sede do Fórum Econômico Mundial,
não é o centro do neoliberalismo.

Revolução
Para Panitch, o problema central da resistência é a organização. “Uma
das razões do neoliberalismo ter crescido tanto foi a esquerda ter
perdido, nos últimos 20 anos, a capacidade de organizar-se da forma
tradicional, como eram os sindicatos, os partidos comunistas etc.”, afirma o
canadense.

Paralelamente a este processo, Panitch constata o surgimento de uma
nova forma de organização. Segundo o cientista político, a tarefa agora é
construir um movimento que possa ingressar no Estado e não tomar como
suas as ferramentas neoliberais já existentes. “Foi isso o que aconteceu
no Brasil, com o governo do presidente Lula. O Partido dos
Trabalhadores obteve uma grande vitória mas não conseguiu organizar o poder de modo
a contrapor-se com a burguesia. Não é que eles não queriam, mas foi
difícil fazer isso dadas as pressões que vinham do imperialismo”, constata
Panitch. Ele completa: “sabemos qual é nossa motivação: somos contra o
neoliberalismo. Mas precisamos discutir como chegar ao poder e colocar
recursos nos lugares onde as massas estão. Esta é a tarefa”.

"Para seguir lutando, não é necessário formular um modelo alternativo
para o neoliberalismo. A dinâmica da luta social e a resistência ao
imperialismo vão construindo o processo revolucionário. Por isso, se Evo
Morales vai conduzir ou não um processo revolucionário na Bolívia, é uma
pergunta para qual a resposta virá das ruas", reflete Borón.