Movimento Indígena debate e reflete sobre seu contexto

2010-08-14 00:00:00

"Dizer o que se é e Ser o que se diz"

 
Indígenas da América Latina se encontraram em diversos espaços do IV FSAn para trocar experiências sobre o “Buen Vivier”, dos processos político organizativos e dos processos de unidade.

O processo boliviano foi a referência para todos os povos e organizações presentes em diversas atividades cogestionadas e autogestionadas promovidas por organizações indígenas da região.

Alternativas de Vida

Mulheres, homens e jovens provenientes de povos indígenas e mestiços do Equador, Colômbia, Bolívia, Paraguai, entre outros, discutiram sobre a experiência boliviana com Evo Morales. “Não é suficiente com ter um presidente. O processo de mudança não é como jogar fora um chapéu velho e comprar outro novo. Evo só não funciona”, indicou Viviana Lima, coordenadora de Direitos Humanos da Coordenadora Andina de Organizações Indígenas (CAOI).

Afirmação pertinente, tendo em conta que os movimentos indígenas na região, muitas vezes se equivocaram não só ao deixar a seus próprios governantes sós, mas também ao concentrar todas suas forças para posicionar candidatos a cargos eleitorais, enquanto se fecham os espaços de debate e de reflexão coletiva, que facilitam a construção de propostas e ações políticas para a transformação.
 
Muitas vezes se acha que entrar no Governo e ocupar um posto é a solução de todos os problemas que afetam os povos, mas não se reconhece o regime estabelecido que responde às políticas do modelo econômico transnacional. Em tal sentido, Isabel Domínguez, integrante da Federação de Mulheres Camponesas e Indígenas Bartolina Sisa, concorda em dizer que estar no poder não é suficiente. “Nos falta construir nossa própria casa na Bolívia”.

Uma casa que represente o “Buen Vivir”, o Vivir Bien, o Sumak Kawsay, o Suma Qamaña, os Planos de Vida e todas essas alternativas que se vêm tecendo desde os povos do Abya Yala contra o “projeto de morte”. Afortunados os povos na Bolívia que apesar das limitações e das dificuldades de governar por uma casa viciada pelo poder transnacional, contam com um Presidente que apóia suas lutas. Enquanto outros povos como a Colômbia e Chile, principalmente, seguem estigmatizados e criminalizados por governos oligárquicos.

Melhor seria contar com o apoio dos governos, mas sejam estes favoráveis ou contrários, é tarefa urgente dos povos fortalecer o trabalho coletivo e consolidar agendas próprias. Fazer trabalhos coletivos de pensamento, em unidade com todos os povos e processos. O trabalho é construir uma casa onde caibam indígenas, negros, camponeses, mestiços e até os mesmos que excluíram os povos em outras condições, para que nunca mais possa consolidar-se o privilégio, porque não se deve responder da mesma maneira, que hoje causa destruição e miséria, com a exclusão. “Aos que nos colonizaram a golpes, vamos descolonizar com formação. Não colocando a outra face para que nos sigam batendo como nos ensina o evangelho”, aponta Viviana Lima. O desafio é ter e demonstrar a capacidade da palavra, do pensamento e da ação política coerente, conseqüente e arraigadas às bases.

Os processos político organizativos

“Quando a organização nasce da base é duradoura, se começa por um projeto ou simplesmente por política se derruba", explica Eloaisam Tarquisa, representante da Confederação Kichwa do Equador (Ecuarrunari), fazendo referência às problemáticas que atravessam algumas organizações sociais e populares que não alcançaram articular-se por meio de uma proposta política coletiva, nascida das comunidades, mas responderam às necessidades dos que os financiaram ou a interesses particulares e pessoais.
 
A situação dos povos indígenas no Equador não é tão favorável como se vê internacionalmente. “Temos uma perseguição severa contra o movimento indígena e perseguição contra os dirigentes”, ressalta Eloaisa Tarquisa, insistindo em que seguem resistindo desde o trabalho coletivo, onde se reúnem mulheres, homens, crianças, anciãos e jovens para “pensar, compartilhar, construir e comunicar”. Na Bolívia os povos e processos também seguem trabalhando: “estamos em um processo de mudança, organizando-nos e capacitando-nos”, enfatiza Viviana Lima.
 
No Paraguai a situação é totalmente diferente, porque a população indígena não ascende a mais de 2%. Não são mais de 100 mil pessoas em um país com quase 7 milhões de habitantes, isto é, a incidência que podem alcançar é muito pouca. Além disso não têm acesso a uma boa educação nem saúde, apesar da Constituição Política de 1992 reconhecer “a existência dos povos indígenas, definidos como grupos de cultura anteriores à formação e organização do Estado Paraguaio”. Esta situação é similar e lembra a experiência colombiana, onde a Constituição de 1991 reconheceu o país como um Estado pluriétnico e multicultural, privilegiando os povos com diversos direitos que na sua maioria se transformaram em letra morta.

Obviamente este esquecimento tem raízes em governos anteriores, não é só com os indígenas, mas também com todos os povos. “Aqui no Paraguai uma vaca tem mais direitos que uma pessoa, pois vive em um hectare e meio de terra. Além disso a estas lhes põem todas as vacinas que exige a Organização Mundial do Comércio (OMC), enquanto às crianças não”, afirma Agustín Yañez, camponês paraguaio.

“Graças ao Presidente Lugo foi possível a participação dos indígenas em vários espaços locais, nacionais e até internacionais. Nós nunca tínhamos saído do país, mas o presidente nos apoiou para que estejamos presentes em muitos espaços antes impensáveis”, comenta uma indígena. Da mesma forma, sustenta que são novos no processo e que até há pouco se começou a falar do movimento indígena paraguaio. “Necessitamos a ajuda dos senhores, nós somos novos nisto. Agora acho que 80% não temos medo, o resto está com as ONGs e os manipulados”.

O desafio da unidade

“O inimigo está unificado enquanto nós estamos divididos. Devemos alcançar a unidade para não sermos derrotados sempre”, reflete Florentino Barrientos, indígena boliviano. Retomando a experiência da Constituinte no seu país, diz que quando iniciaram esse processo, entenderam que a luta não era individual, nem pessoal nem setorial. Então começaram “a globalizar a luta”. Ao trabalhar conjuntamente com todas as organizações desde suas diferenças, encontrando pontos comuns, pontos que os tocam a todos. “O Império como primeira medida, a necessidade de uma nova Constituição e outros temas fundamentais”.
 
Esse seguramente foi um passo difícil a dar, assim como aconteceu na Colômbia com o trabalho coletivo de resistência social e comunitária, que convocou o movimento indígena a transportar a palavra pelo país dos povos sem donos, mas como todo processo encontrou uma infinidade de obstáculos que lhes impediram consolidar e começar a desenvolver coletivamente a agenda política proposta, contra o modelo econômico transnacional e seu “livre comércio”; ao terror e à guerra como mecanismos de deslocamento; à legislação de despojo de recursos e territórios contra os povos; ao descumprimento dos deveres do Estado, independentemente de quem ocupe os governos e um chamado ao país para tecer uma agenda de unidade entre os povos desde a base.

“Se entre os movimentos sociais e entre os povos nao se encontra bem fortalecidos o pacto de unidade com propostas e com uma boa estrutura, não se pôde pactuar, como serão os delegados?”, pergunta Florentino Barrientos, preocupado com as dificuldades que se apresentam em seu país pela falta de consensos que beneficiem a todos os povos. Assim como em todos os movimentos se apresentam interesses setoriais e pessoais, também na Bolívia apesar de existir um pacto de unidade, na hora de apresentar propostas orgânicas, sempre há o setor que leva sua proposta setorial embaixo da manga para negociar a seu favor.
 
São realidades que se vivem em todos os processos, povos e organizações provocadas muitas vezes por correntes externas que buscam desarticular os movimentos de resistência. O Governo, por exemplo, no caso da Colômbia, que além de comprar líderes em várias regiões do país para que legitimem e promovam suas políticas extractivistas, “encontrem políticas que tendem a domesticar, a dividir e a cooptar os processos de organizações inteiras, e a quem não se submeta é perseguido”, explica Raúl Zibechi, referenciado uma das tensões que estão debilitando os movimentos no continente.
 
A pobreza e os interesses pessoais são outros fatores que incidem e muitos favorecem e explicam, sem justificativas, que pessoas e organizações aceitem receber algo em troca de vender até sua própria consciência, porque não só compram com mercadorias, lhes compram sua consciência política, mas também os dirigentes e líderes com amplo poder organizativo e com um conhecimento pleno da realidade e dos jogos de poder, interesse e intenções de conquista e submissão às que fazem concessões e com as quais consolidam alianças. Estas dificuldades está sendo vivenciada em toda a região, porque assim como a mineração está provocando uma forte disputa, gerando conflitos entre os povos na Guatemala, do mesmo modo ocorre no Equador, na Colômbia, na Argentina, no Chile, para citar somente alguns exemplos dos impactos de uma estratégia sistemática generalizada de submissão.

Todos esses acvontecimentos, necessitam de propostas, debates e reflexões urgentes. É o momento de recuperar e promover os espaços de discussão e formação permanente com ampla participação de todos os atores sociais dos movimentos. É necessário reconhecer que os movimentos sociais estão atravessando momentos difíceis e especialmente o movimento indígena que tende a fragmentar-se mais na região. É preciso harmonizar a palavra e a ação para ser coerentes e coerentes com o caminhar da palavra que debe chegar até os povos. É a hora de fortalecer e consolidar a ética da verdade. Este foi o espírito do debate e dos planejamentos.

“Dizer o que se é e ser o que se diz”, como o expressa um sacerdote italiano que leva mais de 30 anos convivendo com povos indígenas no Paraguai, ao sustentar por que o “Buen Vivir” dos povos originários paraguaios, é uma alternativa ao modelo civilizatório atual, é o chamado imediato”.