Fortalecimento da resistência contra o avanço dos monocultivos de soja no Cone Sul

2010-08-14 00:00:00

 
Sérgio Schlesinger, representante da FASE Brasil, deu início às atividades do Painel “Fortalecimento da resistência contra o avanço dos monocultivos de soja no Cone Sul”, no terceiro dia de atividades do IV Fórum Social das Américas, que segue até o dia 15b de agosto, em Assunção, Paraguai. Ele começou sua exposição com imagens e dados de produção e exportação da soja nos países do Cone Sul. No Paraguai, por exemplo, segundo Sérgio, a taxa de expansão da soja vai a 8% ao ano. Essa produção se destina prioritariamente à exportação e à produção de ração para animais. As taxas de consumo de carnes no mundo estão aumentando aceleradamente e, consequentemente, a produção de ração para os animais.
 
Quanto ao mercado internacional, Schlesinger expôs que a China participa cada vez mais como comprador de soja e que Brasil, Argentina e Paraguai estão entre os maiores exportadores do grão no mundo. No caso do Brasil, 26% de suas exportações agrícolas são de soja e seus principais compradores são China e União Européia. O país atualmente já possui 24 milhões de hectares com soja, o que compreende cerca de ¼ do seu território. Mais de 90% dessa produção é destinada à alimentaçao de animais. “Há uma grande extensão de terras produzindo soja em nosso e em outros países, mas as pessoas não comem soja!”, frisou Sérgio.
 
As dez maiores empresas que comercializam soja no mundo, entre elas Bunge, Cargill, Dreyfus e ADM, segundo Schlesinger, determinam toda a tecnología e o modelo que será usado na produção da soja no mundo. Dessa forma, impulsionam o uso de sementes transgênicas e, consequentemente, de aditivos químicos necessários para essa cultura. Mais de 45% de todo o agrotóxico consumido no Brasil, o são pela produção de soja. Quanto ao consumo de agrotóxicos na América Latina, ele representa quase 20% do agrotóxico consumido no mundo. Só o Brasil consome 17% desse contingente latinoamericano. Segundo Sérgio, pesquisas demonstram que o uso seguido de aditivos químicos junto às mudanças climáticas na região sul do Brasil, impossibilitará, em 30 anos, a produção de qualquer grão na região.
 
Brasil, mais soja, menos emprego
 
Em 1985, segundo dados apresentandos por Sérgio Schlesinger, foram produzidos 18 milhões de toneladas de soja. Quantidade essa quadruplicada em 2006, quando se produziu 72 milhões de toneladas. Em contrapartida, os empregos gerados pela cultura da soja diminuíram cinco vezes nesse intervalo de vinte anos. Em 1985 haviam 1 milhão e 700 mil pessoas trabalhando na produção da soja, já em 2006 era um pouco mais de 400 mil pessoas. Um dos principais fatores responsáveis por essa realidade é a mecanização da produção. Por outro lado, a agricultura familiar emprega 15 pessoas a cada 100 hectares.
 
Um Cone Sul unido, mas não pelo Império da Soja
 
Carlos Vicente, representante da Argentina, apresentou o panorama da cultura da soja em seu país e o perigo da produção transgênica, não apenas como cultura nociva ao meio ambiente, mas como uma tentativa de controle da alimentação no mundo. Segundo Carlos, as sementes transgências mais comuns são a soja e o milho. Há, nesse momento, uma concentração massiva desses grãos em toda a cadeia de produção de alimentos. Todo o processo de industrialização de alimentos, utiliza como matéria-prima a soja e o milho. Quase todos os produtos que compramos, como os a base de carne, usam em sua composição a soja ou o milho. Dessa forma, as garndes trasnacionais detentoras da tecnologia transgênica passam a controlar a produção dos alimento, pois controlam as sementes. “O único objetivo dos transgênicos é controlar a alimentação e agronegócio no mundo, nada tem a ver com a produção de alimentos para a população”, enfatizou Carlos.
 
Na Argentina, segundo Vicente, cerca de 50% do território estó ocupado por soja. Na produção são utilizados 200 milhões de litros de glifosato. Dessa forma, se está instalando uma indústria que extrai nutrientes do solo, água dos lençóis freáticos, envenena o solo, tudo isso para exportar um produto que leva junto todas essas riquezas naturais da região. “45 bilhões de litros de água por ano são gastos na produção de soja na Argentina”, disse Vicente. Os solos ricos dos pampas estão sendo destruídos por um modelo depredador de exportação de grãos. Além disso, comunidades camponesas estão sofrendo com a constante expulsão de suas áreas pelos grandes produtores. A Argentina está perdendo por ano cerca de 250 mil hectares por causa do avanço da fronteira agrícola no país.
 
“Estamos deixando de produzir alimentos para produzir soja”, frisou Carlos. Além disso, segundo ele, pesquisas sobre as consequências do uso de glifosato na produção de soja, demonstram casos de má formação em bebês, abortos, câncer, entre outras mazelas.
 
Os efeitos do agronegócio e a implantação da soja no Paraguai
 
Dois milhões e setecentos e cinquenta mil hecatres de soja cultivada. Essa é a realidade do Paraguai, o país com maior cultivo de soja transgênica na América Latina. Segundo David Cardoso, representante do Paraguai, na Argentina e no Paraguai, a soja cultivada corresponde a mais de 50% do território nacional. Segundo ele, há várias comunidades com altas taxas de má formação de bebês. David afirmou, ainda, que a Syngenta pretende fazer uma República Unida da Soja em uma grande região do Cone Sul.
 
O Paraguai é o sexto maior exportador de soja e o quarto maior produtor na América Latina. Segundo dados apresentados por David, o Paraguai exportou 4 milhões de toneladas de soja na safra 2008-2009. E esse número tende a aumentar cada vez mais. Os efeitos da produção de soja no Paraguai são aparentes através do avanço e invasão de produtores brasileiros na região, gerando conflitos com os produtores paraguaios. Além dos brasileiros, outros estrangeiros investem em terrras no país. O avanço da soja causa grande impacto, também, na estrutura fundiária local, destrói comunidades camponesas e indígenas, bosques e a biodiversidade local, pastos, chácaras e hortas camponesas, causando a perda da soberania alimentar e territorial. Da mesma forma, grande parte da Mata Atlântica no Paraguai Oriental já foi destruída pela avanço da soja.
 
Intoxicação das pessoas e do território
 
Comunidades camponesas e indígenas estão abandonando suas áreas e casas por causa do avanço da soja. Escolas também foram abandonadas diante do cerco sojeiro. Segundo David, o Paraguai utiliza 35 milhões de agrotóxicos por ano. Produto esse que causa vários problemas de saúde. Só em 2007 nasceram 52 crianças com má formação, ocasionada pelo uso de agrotóxicos, em um único município paraguaio. Silvino Talavera, um menino de Pirapey, município paraguaio, morreu em 2003, aos 11 anos, envenenado pelo Roundup, pesticida da transnacional Monsanto. Ele se tornou símbolo da luta do povo paraguaio contra o envenenamento de suas terras e de seu povo pelos agrotóxicos.
 
Ainda segundo Cardoso, os camponeses e indígenas paraguaios foram obrigados a migrar das suas cidades para os grandes centros urbanos, onde acabam como mendigos, pedindo dinheiro nos sinais de trânsito, onde, principalmente crianças, acabam sendo atropeladas. Aproximadamente 70 mil camponeses e camponesas migram, todos os anos, para as grandes cidades no Paraguai, por causa do avanço da soja em suas comunidades.
 
Estrangeirização das terras no Uruguai
 
Fato recorrente em toda a América Latina, a apropriação de terras por parte de estrangeiros também é uma amarga realidade no Uruguai. Segundo Martin Drago, da organização Amigos da Terra, um terço da área agrícola do país está nas mãos de estrangeiros. Essa realidade atenta contra a soberania nacional e segurança do país. Além disso, a compra de terras não somente para produção, mas também como elemento de especulação, tem proporcionado um grande aumento no valor das terras e do arrendamento delas no Uruguai.
 
Segundo Martin, o agronegócio possui muito mais impactos danosos do que aparenta. Esse complexo comercial que converge incursões econômicas e produtivas, se apresenta à sociedade como uma estratégia científica, que faz parte de um mercado global que impõe ao mundo como e quanto produzir, além de uniformizar o modelo de produção e comercialização dos produtos agrícolas. E como se não bastasse, ainda mercantiliza e privatiza os territórios.