Armand Mattelart “novas frentes de luta na comunicação”
O belga Armand Mattelart, professor da Universidade Paris
VIII, na França, é um dos mais ácidos críticos do monopólio
mundial dos meios de comunicação e da indústria cultural.
- Como o senhor vê a evolução das políticas públicas de
comunicação no mundo? Os governos estão reféns da mídia?
A própria noção de "políticas públicas" no campo da
comunicação e da cultura, como pregavam os países não
alinhados às demandas da Unesco por uma Nova Ordem Mundial
da Informação e da Comunicação (Nomic), durante os anos 70,
passou por uma travessia no deserto nas últimas duas
décadas do século passado. As estratégias de ajuste
estrutural e de desregulamentação a negavam,
simplesmente.Tivemos que esperar o fim dos anos 90 e os
primeiros anos deste século para que o imperativo das
políticas públicas voltasse a ser ouvido nos debates sobre
o ordenamento mundial da comunicação, apesar dos os
governos continuarem muito reticentes.
- Como se posiciona o movimento social neste contexto?
O movimento social teve um papel importante ao colocar na
ordem do dia esta questão. Eu citava antes o posicionamento
do movimento social na cúpula mundial da sociedade da
informação. Poderia citar a formulação de projetos para a
reforma dos sistemas de rádio e televisão que está
emergindo na União Européia ou em vários países latino-
americanos, da Argentina até o México, passando pelo Brasil.
Estes projetos propõem a necessidade de repensar tanto o
funcionamento do setor privado e do serviço público como de
legitimar a existência de um terceiro setor, composto de
meios comunitários ou associativos, livres e independentes.
-O senhor está falando da comunicação popular?
Os atores da comunicação popular ampliaram suas
perspectivas e já não se conformam só em reforçar suas
redes e seu profissionalismo, mas se convertem num dos
pontos avançados nas pressões que tendem a substituir
estruturalmente o conjunto do sistema midiático e
reabilitar a idéia do "público", alinhada com a declaração
das organizações latino-americanas de comunicação, reunidas
em Quito, em julho de 2004, por ocasião do Fórum Social das
Américas: "Privilegiar a defesa e a promoção do público,
porque o público permite o exercício da uma cultura
deliberativa que confronta e aceita diversas posições para
fazê-las dialogar e construir acordos baseados na
discrepância sobre os conflitos que vivemos mas assumimos".
Poderia referir-me também aos esforços desenvolvidos para
instaurar políticas que preservem a "diversidade cultural"
e o pluralismo dos meios.
- Há avanços concretos nesta luta?
Sem cair no triunfalismo, penso que estão se abrindo novas
problemáticas e frentes de luta no campo amplo da cultura.
Em cada um deles, se assistiu à criação de redes cidadãs
tanto em escala nacional quanto planetária. As iniciativas
lançadas pela rede CRIS ou "Direitos a Comunicação na
Sociedade da Informação" ou a "Coalizão para a diversidade
cultural" o atestam.
- Como os povos do mundo podem usar os meios de comunicação
para dominar a mídia?
Temos que pensar na brutal assimetria dos receptores frente
às empresas de mídia e eternizar contra-poderes, a fim de
promover uma "ecologia da informação". É a filosofia da
ação que motivou o lançamento, em 2002, no segundo FMS de
Porto Alegre, do projeto de uma "força ético-moral",
encarnada em um observatório internacional dos meios (Media
Watch Global). Este observatório está destinado a
multiplicar-se através de observatórios nacionais,
compostos por profissionais da informação, de todos os
tipos de meios; de universitários e pesquisadores de todas
as disciplinas, em particular especialistas dos meios e da
informação; de usuários e observadores críticos da mídia e
associações que os representam. Observar é também estudar
as causas estruturais dos silêncios da cobertura midiática,
a razão das censuras, das distorções, estar atento a todos
os debates e iniciativas que concernem às estruturas dos
meios. Observar não é só estigmatizar, mas suscitar
propostas.
- Como o senhor observa a ofensiva do capital financeiro
mundial sobre a indústria da comunicação e do
entretenimento?
É um fenômeno que responde a uma lógica global. A
desregulamentação do sistema mundial de telecomunicações
teve um papel nodal neste processo, pois aproximou as
indústrias de conteúdos das indústrias de equipamentos.
Este processo é aberto pela onda de choque originada nos
Estados Unidos, em 1984, com o desmantelamento do quase
monopólio do sistema doméstico, mas ganha realmente força a
partir de 1998, com o acordo da Organização Mundial do
Comércio (OMC) que generaliza a "liberalização" das
telecomunicações. A concentração alcança todos os setores
das indústrias culturais, desde a imprensa, os livros e as
livrarias até a rádio e televisão, passando pela indústria
discográfica. Ela se reforça nos países que já possuíam
altos índices de concentração e estréia nos países que
pareciam constituir uma exceção.
- Como esta concentração prejudica a liberdade de
informação?
O problema é tamanho que em 2004 o Parlamento Europeu
alertou sobre o risco que a liberdade de expressão e de
informação correm com domínio de um punhado de grupos
midiáticos e convocou os responsáveis da União Européia a
elaborar uma diretriz que salvaguardasse o pluralismo dos
meios, ameaçados pela concentração e a homogeneização
crescente do modo de tratar a informação e seu conteúdo. Os
atores do oligopólio incorporaram em suas estratégias a
dimensão política dos debates internacionais sobre a
comunicação e suas entidades representativas estão
presentes em todos os lugares onde se discute a "nova ordem
mundial da informação". E exercem pressões sobre os
governos e as instituições internacionais com vistas a
derrubar os marcos jurídicos que limitam as concentrações
ou impedem as posições dominantes. Elas não toleram
críticas a não ser as delas próprias.
- As tecnologias de informação e comunicação (TIC) são um
atalho para se democratizar a comunicação?
Não existe receita. O importante, me parece, é não se
imolar sobre o altar das últimas tecnologias de informação
e de comunicação. Apropriar-se delas mas sem ceder à
amnésia que nos faz esquecer a longa e rica tradição de
reflexão acumulada pelas experiências de usos populares de
tecnologias anteriores, como o rádio, por exemplo.