As mulheres estabelecem uma relação forte com os bens da natureza
Entrevista com Isolda Dantas, da Rede Economia e Feminismo (capitulo brasileiro da REMTE) e militante da Marcha Mundial das Mulheres no Brasil.
– Como o modelo de desenvolvimento depredador dos bens naturais e dos efeitos do aquecimento global tem impactado nas condições de vida das mulheres da sua comunidade e/ou organização/país?
As mulheres, principalmente as trabalhadoras rurais, estabelecem uma relação muito forte com os bens da natureza, ao utilizar no seu dia-a-dia a água, o solo e as outras fontes de sobrevivência naturais. Por elas viverem disso, e também por serem as que mais se preocupam com uma alimentação diversificada para a família, sofrem mais com esse modelo de desenvolvimento, que paradoxalmente, se transforma num modelo destrutivo. Quando se tem um modelo que possibilita a redução da energia, por exemplo, que é um dos mais essenciais recursos da vida humana, o impacto é muito grande na vida das mulheres. Sem iluminação da casa, sem geladeira e sem as facilidades que esse recurso proporciona, o trabalho das mulheres é prejudicado.
Outro exemplo que podemos citar é o modelo concentrador do agronegócio e da utilização de forma indiscriminada de agrotóxicos. Analisemos do ponto de vista do trabalho. Ao ter o lucro como principal objetivo, as empresas exercem forte poder ditatorial e por vezes, inumano, com excessivas horas de trabalho, se aproximando ao trabalho escravo. Com esse estilo de vida, muitas mulheres adoecem e outras ficam inaptas para o trabalho. Além disso, temos também os fatores biológicos e riscos a que essas mulheres são expostas com a utilização de agrotóxicos. Nossos alimentos, solo, água e ar são bruscamente afetados; o que iria ajudar a combater pragas, acaba combatendo a própria diversidade natural do planeta.
– Em que medida considera que este modelo representa uma ameaça para a própria Terra?
Vemos um modelo que não pensa, que não imagina a inesgotabilidade dos recursos naturais e do trabalho das mulheres, que vê as pessoas como máquinas dispostas para trabalhar a qualquer hora, que tem como único objetivo a acumulação de capital e que não tem nenhuma perspectiva de compreender a desigualdade social. Um modelo desta natureza, não tem como não afetar o conjunto do planeta. Ele é responsável pelo que hoje o mundo inteiro enfrenta. As indústrias e multinacionais não ligam para a emissão de poluentes. Elas só se preocupam com o bem-estar de poucos em detrimento do mundo que está à sua volta. Vemos um modelo alheio aos problemas sociais e às responsabilidades para se conseguir viver um mundo melhor, com igualdade para todos e todas. Esse modelo é autodestrutivo.
– Que propostas defendem as mulheres diante da ameaça de um acelerado aquecimento global? O que consideram que se deve fazer para salvar o planeta? (por parte da cidadania, dos governos...)
Primeiramente, nossa proposta é a mudança na forma como a sociedade funciona, onde o principal objetivo não vai ser o lucro e nem a economia do desenvolvimento e sim, um modelo que veja as pessoas como centro de tudo, dando a elas acesso à água, moradia, alimentação, territorialidade respeitada, soberania alimentar, política e energética. Em vez do governo gastar quantias milionárias no agronegócio, ele deve investir na agricultura familiar e camponesa, na soberania política, alimentar e energética dos povos, no combate ao desmatamento da Amazônia e da nossa fauna e flora. Que faça uma eficiente reforma agrária e que não gaste milhões em grandes obras, mas que haja um redirecionamento e controle de pequenas obras que possam gerar energia para produção em proporções menores e eficientes. Outra ação é investir em outras fontes renováveis de energia, que, apesar de terem maior custeamento, possuem impacto ambiental bem menor.
– Que propostas e ações desenvolvem as mulheres frente à militarização e a criminalização das lutas sociais em seu país e/ou continente?
Uma das coisas que temos feito é não parar a nossa luta. Empenhamo-nos em demonstrar que lutar é um dos mais fortes mecanismos de transformação e, ao mesmo tempo, tentamos desconstruir a errônea idéia de que o que os movimentos fazem é crime. Crime é o que os governos e muitas empresas tem feito. Hoje, os governos se mostram omissos aos criminosos. Enquanto algumas empresas sonegam impostos, fazem cartel e burlam as leis, elas usam um falso poder para imputar os movimentos sociais e muitas vezes, os movimentos que protestam pelos direitos e contra a sujeira feita pelos detentores do poder são vistos como criminosos. Então, temos utilizados os mecanismos e ferramentas da mídia alternativas para desmistificar essa ideia. E claro, sem nunca deixar de lutar.