Em defesa da natureza e da diversidade biológica e cultural

Manifesto das Américas

2006-04-21 00:00:00

Vivemos num sistema econômico dominante que há séculos se propôs explorar de
forma ilimitada todos os ecossistemas e seus recursos naturais. Esta estratégia trouxe
crescimento econômico. O que se chamou de "desenvolvimento" para algumas nações,
privilegiou o consumo e o bem estar social de uma parcela muito pequena da
humanidade, e excluiu, infelizmente, das condições mínimas de sobrevivência, a
grande maioria da humanidade.

O custo desse sistema de exploração da natureza e das pessoas, junto ao consumismo
desenfreado, foi pago pelo sacrifício de milhões de trabalhadores pobres, camponeses,
indígenas, pastores, pescadores, e outras pessoas pobres da sociedade, que entregam
suas vidas a cada dia. Também foi pago pela agressão permanente da natureza que
continua sendo sistematicamente devastada. A integridade e a diversidade de formas
de vida, que são o sustento da biodiversidade estão ameaçadas.

Se a natureza de nosso planeta está ameaçada, com ela está ameaçada a própria vida
humana. Até a "Avaliação Ecosistêmica do Milênio" feita pela ONU e divulgada em
2005, reconhece que "as atividades humanas estão mudando fundamentalmente e, em
muitos casos, de forma irreversível, a diversidade da vida no planeta Terra. Estas
taxas vão continuar ou se acelerar no futuro". Nesse importante reconhecimento da
crise planetária, é também fundamental reconhecer, que nem todas as atividades
humanas são prejudiciais, mas, sobretudo, aquelas guiadas pela volúpia de lucro das
corporações transnacionais.

Por causa da dramaticidade desta situação, sentimos a necessidade de afirmar
alternativas que assegurem um futuro de esperança para a vida, para a humanidade e
para a Terra. Precisamos passar de uma Sociedade de Produção Industrial, consumista
e individualista, que sacrifica os ecossistemas e penaliza as pessoas, destruindo a
sócio-biodiversidade, para uma Sociedade de Sustentação de Toda a Vida, que se
oriente por um modo socialmente justo e ecológicamente sustentável de viver, que
cuide da comunidade de vida e proteja as bases físico-químicas e ecológicas que
sustentam todos os processos vitais, incluídos os humanos.

Como habitantes do continente americano temos a consciência de nossa
responsabilidade universal. O futuro da Terra passa também por nós. Os países
amazônicos e andinos, por exemplo, como Colômbia, Equador, Peru, Bolívia,
Venezuela e Brasil são territórios megadiversos. Não apenas pela presença de
riquíssimos ecossistemas, mas também pela presença de muitos povos indígenas,
camponeses, quilombolas e outras comunidades locais, que desde séculos e milênios
souberam viver em co-habitação entre a biodiversidade e a sócio-diversidade.

A floresta amazônica presente em nossos países representa um terço das florestas
tropicais do mundo e abriga mais de 50% da biodiversidade. Nela existem pelo menos
45.000 espécies de plantas, 1.800 espécies de borboletas, 150 espécies de morcegos,
1.300 espécies de peixes de água doce, 163 espécies de anfíbios, 305 espécies de
serpentes, 311 espécies de mamíferos e 1.000 espécies de aves.

Por causa desta riqueza, a América Latina está sendo objeto da cobiça dos
"neoliberais-globalcolonizadores" através da ação insana de dezenas de empresas
transnacionais, principalmente dos países do norte global. Elas praticam vastamente a
biopirataria. Outrora era a corrida ao ouro e à prata, hoje é a corrida aos recursos
genéticos, farmacológicos e aos saberes tradicionais e locais, todos estratégicos para o
futuro dos negócios do mercado mundial. E ainda querem nos impor leis de patentes e
de proteção a seus lucros fantásticos.

Queremos fazer frente, de forma decisiva, a este processo de espoliação. Propomos
políticas consistentes que visem:

1- Conservar a diversidade biológica e cultural de nossos ecossistemas; Trata-se aqui
de cuidar do conjunto dos organismos vivos em seus habitats e também da
interdependência entre eles dentro do equilíbrio dinâmico, próprio de cada região
ecológica e das características singulares das espécies, assim como da interação social
e ecologicamente sustentável dos povos que vivem na região.

2- Propomos políticas articuladas que visem garantir a integridade e a beleza dos
ecossistemas e dos povos que cuidam e dependem dela; Isso implica na manutenção
das características que asseguram seu funcionamento e mantém a identidade do ser
vivo e do conjunto vivo, seja em seu aspecto territorial, biológico, social, cultural,
paisagístico, histórico e monumental. A preservação da diversidade biológica e
cultural, da integridade e da beleza dos sistemas ecológicos oferece sustentabilidade
às múltiplas funções ambientais e aos benefícios que o ser humano obtém para si e
para as futuras gerações. Entre outros: água potável, alimentos, medicinas, madeiras,
fibras, regulação do clima, prevenção de inundações e doenças. Ao mesmo tempo em
que constituem as bases do sustento da recreação, da estética e da espiritualidade,
assim como o suporte da conformação do solo, a fotossíntese e o ciclo de nutrientes,
entre outras funções vitais para o sustento de toda a humanidade.

3- Nos opomos resolutamente à introdução de espécies exóticas, inadequadas aos
nossos ecossistemas; Como acontece em muitos biomas com a introdução de
plantações homogêneas, industriais, do eucalipto, pinus, etc, que destroem os
ecossistemas naturais e provocam fortes impactos sociais aos povos que moram
nessas áreas, levam o lucro, os dólares, a celulose, o carvão, água sugada, e deixam a
degradação e a pobreza.

4- Nos opomos resolutamente a introdução de organismos transgênicos no ambiente;
Não é aceitável a introdução de OGMs seja na agricultura, nas plantações, na pecuária
ou qualquer outro cultivo no meio ambiente, pois além de não serem necessários, não
servem para nada, a não ser para o lucro de umas poucas empresas transnacionais.
Trazem riscos potenciais à saúde das pessoas e geram modificações permanentes e
irreversíveis para a natureza e aos ecossistemas. Opomos-nos enfaticamente a
introdução de árvores transgênicas, que significam um perigo ainda maior devido,
entre outras coisas, ao fato de que o pólen tem a possibilidade de disseminação ao
longo de milhares de quilômetros, contaminando inevitavelmente outras florestas,
incluindo as florestas nativas, com multiplicação de impactos sobre a flora, os insetos
e outros componentes da fauna, afetando também o sustento dos povos indígenas,
pescadores, camponeses, quilombolas e outras comunidades locais.

5- Combatemos decididamente as sementes Terminator porque elas atentam contra o
sentido da vida; Somos contra a reprodução desse tipo de semente estéril, pois se trata
de uma semente suicida que visa beneficiar apenas as grandes empresas
transnacionais controladoras das sementes e manter os agricultores sob sua
dependência.

6- Nos opomos a tentativa do governo imperial dos Estados Unidos e de suas
empresas transnacionais; Ambos desejam impor o tratado da ALCA (Acordo de Livre
comércio das Américas); tratados bilaterais, chamados de TLC (tratados de livres
comércio); tratados de garantia de investimentos estrangeiros, ou através de acordos
de cúpulas costurados sem nenhuma participação popular na Organização Mundial do
Comércio (OMC). Esses acordos colocam ainda em maior risco a nossa natureza, a
nossa agricultura, os nossos serviços e as condições de vida de nossa população, pois
priorizam apenas os interesses e a garantia do lucro.

7- Manifestamos nosso apoio e a necessidade de reconhecer os povos e comunidades
que durante séculos e milênios têm desenvolvido a biodiversidade agrícola;
Reconhecemos as comunidades que através da adaptação e criação de sementes
constituem as bases de toda a agricultura e alimentação da humanidade. Para manter
essas bases de sustentação e essa enorme riqueza de biodiversidade agrícola e
alimentar, é preciso reconhecer e afirmar os direitos dos camponeses, indígenas,
pastores, pescadores, quilombolas, à terra, ao território e aos recursos naturais, para
que possam prosseguir essa tarefa crucial de conservação das sementes crioulas e
nativas, que só podem ser multiplicadas a nível local e diverso. Combatemos àquelas
empresas que buscam o controle sobre as sementes, contra toda a tradição dos povos
que cuidaram e cuidam zelosamente das sementes e sempre as compreenderam como
fonte de vida que jamais deve se transformar em mercadoria.

Por fim, externamos nosso desejo de que estes propósitos redundem em benefício
para nossos povos, garantam a soberania alimentar, ou seja, o direito que todos e cada
povo têm de produzir seu próprio alimento, em condições saudáveis e socialmente
justas e em equilíbrio com a natureza. Defendemos aqueles que trabalham no campo,
nossos agricultores e camponeses. Defendemos seu direito de viver no modo
camponês e assim garantir o sustento de nossas populações. Esse modo de produção
contribui decisivamente para dar sustentabilidade ao nosso Planeta, com
desenvolvimento integral, imprescindível para garantir o futuro da humanidade.

Dia 20 de abril de 2006.

De Curitiba, Capital do Estado do Paraná construindo uma América Livre de Transgênicos e de Agressões ao Meio Ambiente

1. Hugo Chavez, Presidente da República Bolivariana da Venezuela
2. Roberto Requião, Governador do Estado do Paraná - Brasil
3. Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz - Argentina
4. Eduardo Galeano, escritor - Uruguai
5. Peter Rosset, Phd em soberania alimentar - Estados Unidos
6. Pat Mooney, Grupo ETC, especialista no estudo das conseqüências dos OGMs e
novas tecnologias - Canadá
7. Silvia Ribeiro, pesquisadora do grupo ETC - México
8. Noam Chomsky, lingüista, MIT - Estados Unidos
9. Atílio Boron, cientista social, Clacso - Argentina
10. Violeta Menjivar, prefeita de San salvador - El Salvador
11. Chamille Chalmers, Campanha Jubileu Sur - Haiti
12. Ramon Grosfoguel - Porto Rico
13. Doris Gutierrez, deputada no Congresso Nacional - Honduras.
14. Mônica Baltodano, ex-comandante Sandinista - Nicarágua
15. Ernesto Cardenal, poeta, sacerdote e ex-ministro da educação - Nicarágua
16. Gioconda Belli, poetisa - Nicarágua
17. Raul Suarez, pastor Batista, e deputado na Assembléia do Poder Popular - Cuba

18. Miguel Altieri, PDH em agroecologia, Univ. Califórnia - Chile
19. Fernando Lugo, bispo católico - Paraguai
20. Blanca Chancoso, Confederacion de Naciones Indígenas-CONAIE - Equador

21. Hebe de Bonafini, Madres de Plaza de Mayo - Argentina
22. Aníbal Quijano, cientista social - Peru
23. Leonardo Boff, escritor e teólogo - Brasil
24.Beth Carvalho - compositora e cantora - Brasil
25. Dom Pedro Casaldaliga, bispo e poeta - Brasil
26. Dom Ladislau Biernaski, bispo - Brasil
27.Monja Coen, Monja primaz da comunidade Zen Budista no Brasil
28. João Pedro Stedile, MST e da Via Campesina - Brasil
29. Temístocles Marcelos Netto, Secret. Nac. Meio Ambiente da CUT - Brasil
30. Letícia Sabatela, atriz, Movimento Direitos Humanos de artistas brasileiros -
Brasil
31.Nalu Farias - Marcha Mundial das Mulheres - Brasil
32. Pedro Ivo Batista -Rede Brasileira de Eco-Socialismo - Brasil

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