Campanha "10 anos de Eldorado dos Carajás"
São Paulo, 20 de fevereiro de 2006.
Campanha "10 anos de Eldorado dos Carajás"
Caros/as Companheiros/as,
Completam-se, neste ano, 10 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás. O MST está construindo uma ampla Campanha, envolvendo nossa base social, a sociedade brasileira e internacional, os amigos e organizações, visando pautar:
1.. A necessidade da realização da Reforma Agrária no Brasil; 2.. Trazer presente a memória dos lutadores do povo assassinados na luta pela terra, denunciar a situação de impunidade vigente no país, bem como, reivindicar encaminhamentos concretos por parte do Estado Brasileiro, para punição dos responsáveis pelos crimes e reparação dos danos causados às famílias dos mortos e sequelados no massacre; 3.. Reivindicar a federalização do assassinato de Onalício Araújo Barros ("Fusquinha") e Valentin Serra ("Doutor"). Para iniciarmos a organização e articulação desta campanha enviamos o presente documento que está organizado nas seguintes partes:
I. Pequeno histórico do Massacre;
II. Histórico do Assassinato do "Doutor" e do "Fusquinha";
III. Contexto da realidade Amazônica onde se insere os 10 anos de Carajás;
IV. Encaminhamentos sobre o que e como fazer a Campanha, na base e com a sociedade.
I - BREVE HISTÓRICO DO MASSACRE DE ELDORADO DOS CARAJÁS:
No dia 17 de abril de 1996, aconteceu um dos episódios mais dramáticos da história brasileira. O Massacre de Eldorado dos Carajás, Pará, onde foram assassinados 19 Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Na ocasião, 155 soldados da polícia militar, armados de espingardas e metralhadoras, abriram fogo contra uma manifestação de trabalhadores ligados ao MST, que faziam parte do acampamento da Fazenda Macaxeira e deslocavam-se para Belém para exigir o cumprimento do acordo com o Incra e Governo do Estado, no qual estava prevista a desapropriação da Fazenda.
Logo após o Massacre, alertava-se para a necessidade de intervenção federal nas investigações, objetivando a necessária imparcialidade e garantindo o recolhimento de informações e provas que indicassem os responsáveis pelo crime.
Depois de intensas lutas e mobilizações realizadas por organizações brasileiras e internacionais, os policiais militares que participaram do massacre foram finalmente levados a júri popular, sendo todos absolvidos.
O Tribunal do Júri de Belém decidiu condenar apenas dois comandantes: o coronel Mário Colares Pantoja e o Capitão Raimundo Lameira, que aguardam o julgamento de recursos em liberdade.
Em decorrência das lesões deixadas pelo Massacre, outros dois trabalhadores morreram e outros 67 ainda trazem seqüelas dos ferimentos produzidos até os dias atuais.
O massacre de Eldorado do Carajás sistematiza em boa parte o comportamento do estado brasileiro e do seu judiciário no tratar das questões da reforma agrária na região norte do país. Como ensinou Florestan Fernandes: "a história da sociedade brasileira é monopolizada por um único ator social, a burguesia", toda vez que o povo tentou entrar na política, foi afastada desse advento, pela prática da violência, pela eliminação física e criminalização das suas reivindicações, principalmente a democracia.
Assim o Massacre de Eldorado do Carajás se inscreve na história, como um ato de violência e impedimento dos camponeses e da sociedade de reivindicar a Reforma Agrária e a justiça social.
II - OS ASSASSINATOS DE FUSQUINHA E DOUTOR
No dia 14 de março de 1998, em torno de quinhentas famílias ocuparam a fazenda Goiás II, em Parauapebas/PA. Ante as ameaças constantes dos pistoleiros da fazenda resolveram desocupar a fazenda. No dia 26 de março as famílias transferiram o acampamento para uma área próxima ao assentamento Carajás e, durante a mudança, foram emboscados pelos fazendeiros, pistoleiros e policiais militares. No ataque, duas lideranças foram mortas: Onalício Araújo Barros, conhecido como Fusquinha, e Valentim Serra, o Doutor. Logo após o sepultamento dos dois companheiros, as famílias reocupam a fazenda, e finalmente foram assentadas. Ao Assentamento deram o nome de Onalício Barros. O processo que deveria apurar os assassinatos até hoje não foi concluído, evidenciando o descaso e a perpetuação da impunidade.
III - OS CAMPONESES NA AMAZÔNIA BRASILEIRA. VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS E IMPUNIDADE
A Amazônia Brasileira se encontra hoje sobre a égide do capital internacional, processo que se evidencia na política adotada pelo governo federal e estaduais, através dos grandes projetos de extração de matéria prima, apropriação indevida dos recursos naturais, erosão da biodiversidade e perda da soberania dos povos sobre o seu território.
Estes atores impõem os interesses do capital sem que haja uma reação organizada da sociedade frente a esse processo. A Amazônia enquanto espaço do capital, através das grandes empresas, é uma definição hegemônica no estado brasileiro.
Esse novo ciclo se evidencia pelo desenho de novas contradições no campo e na cidade, a estrutura fundiária historicamente monopolizada por uma burguesia agrária escravocrata, anti-social e anti-popular gera conflitos permanentes, seja na manutenção de um nível de violência, pela ausência do estado, ou pela sua disposição judicial de se comportar como aliado no desmantelamento e criminalização das reivindicações indígenas e camponesas e não realização da Reforma Agrária.
Neste contexto, são 30 anos de violência ininterrupta contra os trabalhadores na Amazônia e especialmente no Pará, onde a incapacidade do judiciário e a falta de políticas de intervenção do estado, geram um nível de violência sem precedentes, em que os penalizados com assassinatos, prisões, impunidade são os trabalhadores, tendo em vista que nos últimos 30 anos foram assassinados no campo paraense 772 trabalhadores, entre homens, mulheres e em alguns casos crianças, onde apenas 11 casos de mandantes e assassinos foram a julgamento pelos crimes cometidos e dos 11 julgados apenas dois foram condenados sendo que nenhum destes está preso, demonstrando a impunidade escancarada que reina nos casos de agressões contra trabalhadores rurais no estado.
Diante do histórico apresentado, chegando aos "10 anos do Massacre de Eldorado do Carajás", é importante destacar que, após uma década, o Estado Brasileiro não foi capaz de apresentar soluções para as reivindicações históricas dos trabalhadores e, tampouco, fazer as reparações clássicas de um estado republicano.
O Estado, nesses 10 anos, não foi capaz de julgar e condenar os responsáveis pelas mortes dos 21 trabalhadores rurais sem terra, não identificando os policiais envolvidos e nem julgar aqueles que exerciam poder de mando sobre as instituições do estado.
E, mesmo o Massacre tendo deixado como resultado 19 mortos, 69 pessoas com seqüelas permanentes, incapacitados para o trabalho da agricultura e órfãos, não foi capaz de indenizar as famílias e nem garantir tratamento médico aos doentes, refletindo a situação de descaso para com as vítimas que nesses 10 anos provocou a morte de mais duas pessoas por insuficiência dos órgãos do corpo dado a ferimentos do massacre, totalizando em 21 o número de vítimas do Massacre de Eldorado do Carajás.
Por outro lado, do ponto de vista das organizações dos trabalhadores, no aniversário de 10 anos do Massacre de Eldorado do Carajás completará também a primeira década do dia 17 de abril como dia internacional de luta camponesa, dia em que camponeses do mundo inteiro se mobilizam num grande mutirão internacional pela realização da reforma agrária, por trabalho e justiça.
IV - ENCAMINHAMENTOS SOBRE O QUE FAZER:
4.1 - COM NOSSA BASE
a) Dedicar a jornada de lutas aos mártires de Eldorado dos Carajás;
b) Durante todo o ano de 2006, realizar ações em todos os Estados onde o MST está organizado, junto à base social, mobilizando as famílias, as brigadas de organicidade, os núcleos de base, os coletivos de setores, as escolas dos assentamentos e acampamentos, realizando atividades políticas e ecumênicas, com o intuito de desenvolver a simbologia dos "10 anos do Massacre de Eldorado do Carajás";
c) Realizar uma jornada de atividades dos dias 10 a 17 de abril nas cidades e capitais, visando resgatar a memória desse importante fato histórico da luta pela terra no Brasil e no mundo, reivindicando a realização da reforma agrária, a indenização das famílias dos mártires e a federalização do julgamento do caso de Fusquinha e Doutor;
d) Em conjunto com o Setor de Educação, trabalhar com nossa base a Cartilha "Plantando Seremos Milhões", em memória dos mártires da luta pela terra;
e) Atividades no V Congresso Nacional do MST, em novembro de 2006;
f) Recuperação do monumento das Castanheiras;
g) Trabalhar na nossa base e na sociedade a memória da Chacina de Felisburgo, que completa dois anos em 20 de novembro de 2006.
4.2 - COM A SOCIEDADE:
a) Preparar com as organizações da Via Campesina, atos nas cidades. Fazer vigílias, exposições de fotos do Sebastião Salgado, plantio de árvores nas praças públicas, seminários, sessões nas assembléias legislativas estaduais, câmaras de vereadores, júris simulados nas universidades;
b) Lançamento do livro sobre os 10 anos do Massacre, do Jornalista Eric Nepumuceno, em diversas capitais. Há algum tempo vínhamos discutindo com alguns escritores amigos do movimento sobre a possibilidade de escrevermos um livro jornalístico/literário sobre o Massacre de Eldorado dos Carajás. Finalmente o escritor Eric Nepomuceno assumiu a tarefa e o livro deve ser lançado ainda no mês de abril pela Editora Planeta em Português e Espanhol. Assim, dentro da nossa Campanha devemos planejar e organizar atividades de lançamento do livro. No Setor de DH discutimos que seria importante fazermos lançamentos nacionais em algumas capitais, com a presença do autor, dentre elas SP; RJ; POA; Recife; Belo Horizonte; BSB, Belém. Porém o livro deve ser lançado também em demais locais, independentemente da presença do autor. Como sugestão, podem ser realizados debates; coquetéis; exposição de fotos; teatros, etc.. divulgando amplamente para a sociedade;
c) Pedir a federalização do julgamento do caso do assassinato de "Fusquinha" e "Doutor". Para essa questão será feito um cartão postal dirigido aos órgãos competentes;
d) Em nível internacional também estamos articulando mobilizações com os amigos do MST e da Via Campesina internacional nos diversos países com os quais mantemos relações.
e) No dia 17 de abril, na curva do "S" em Eldorado do Carajás, sudeste do Pará, realizar ato nacional massivo com 20 mil pessoas, contando com a presença de religiosos (as), artistas, dirigentes das organizações camponesas e amigos;
4.3- A SOCIEDADE INTERNACIONAL:
a) Campanha pela federalização dos assassinatos do Fusquinha e Doutor, com envio de postais às autoridades (tão logo fiquem prontos enviaremos os postais que estão sendo produzidos);
b) Manifestação na embaixada do Brasil nos seus países em apoio às questões já apresentadas no início do texto:
- necessidade da realização da Reforma Agrária no Brasil;
- trazer presente a memória dos lutadores do povo assassinados na luta pela terra,
- denunciar a situação de impunidade vigente no Brasil, bem como,
- reivindicar encaminhamentos concretos por parte do Estado Brasileiro, para punição dos responsáveis pelos crimes e reparação dos danos causados às famílias dos mortos e sequelados no massacre;
- reivindicar a federalização do assassinato do "Fusquinha", o Onalício Araújo Barros e "Doutor", Valentin Serra.
4.3 - SUBSÍDIOS PARA AS ATIVIDADES:
Estão sendo produzidos alguns materiais, que servirão de subsídios para a Campanha, que ficarão prontos no início de abril, mas é importante ir preparando as atividades independentemente dos materiais:
• Cartilha sobre os 10 anos do Massacre de Eldorado: Contendo a síntese dos fatos, a atual situação do processo, o contexto da região Amazônica e a memória de Oziel Alves, militante do MST morto no Massacre, bem como histórico do caso Fusquinha e Doutor;
• Cartilha "Plantando seremos milhões": Produzida em conjunto com o Setor de Educação do MST, incentivando o plantio de árvores;
• Cartaz Nacional sobre o Massacre de Eldorado do Carajás: Com arte produzida por Pavel Erquez, o artista que produz as artes dos cartazes do Grito dos Excluídos, trazendo a memória do Massacre e dos Mártires. Para ser distribuído na base do MST, nas diversas entidades da sociedade brasileira e internacional e nas entidades da Via campesina nacional e internacional;
• Programas de Rádio preparado pelo setor de comunicação: Entrevistas com os trabalhadores/as do assentamento 17 de abril, sobreviventes do massacre, sociedade local, juristas que atuaram no processo, artistas e entidades de Direitos Humanos, a ser realizada pela Setor de Comunicação do MST, tratando dos 10 anos do Massacre. O programa de rádio será amplamente distribuído para rádios comunitárias, rádios progressistas e meios de comunicação em geral;
• Documentário sobre os 10 anos: Para ser trabalhado junto à base do MST e à sociedade, universidades, escolas;
• Jornal especial, Brasil de Fato, Jornal Sem Terra: Jornal tablóide, contendo a síntese dos fatos, a atual situação do processo, o contexto da região Amazônica, histórico do caso Fusquinha e Doutor e entrevistas com amigos, artistas, juristas etc. Para ser massivamente distribuído nas cidades, visando o resgate da memória desse episódio;
• Cartão Postal: Pedindo a federalização do julgamento do caso de Fusquinha e Doutor. Para ser enviado ao governo e ao poder judiciário, pela base do MST, e sociedade brasileira e internacional.
Os companheiros do Setor de Direitos Humanos dos estados tem as informações mais detalhadas, bem como a Angélica na Secretaria Nacional, para quem devem ser solicitados os materiais e enviado um planejamento detalhado das atividades que serão realizadas em cada estado, sdh@mst.org.br ; tel: (11) 3361 3866.
Angélica Kuhn
SDH - MST