Troca de experiências movimenta 3º dia de Encontro
Depois de três dias de debates sobre o modelo energético e agrícola, chegou a hora das mulheres trocarem experiências concretas, em que as alternativas estão sendo implementadas na prática. As participantes se dividiram em nove oficinas temáticas, em que mais de 20 movimentos e organizações puderam compartilhar suas experiências, além de proporcionar espaços para perguntas e trocas.
Convivência com o Semi-Árido
“O Semi-Árido não é só seca, sofrimento, como muitas vezes é mostrado. É poesia, é luta, é beleza. E é esse Semi-Árido que a gente quer propagar”, afirmou Elisângela Bezerra, ao iniciar a apresentação da Articulação no Semi-Árido (ASA), uma das três experiências que compuseram a mesa temática. Além da ASA, o Ipêterras, representado por Marilza Pereira, e a cisterneira potiguar Francisca das Chagas, mais conhecida como Chaguinha, mostraram de que forma vem contribuindo para esse novo olhar sobre a região.
Segundo Elisângela Bezerra, “é a partir de práticas já existentes na região, como a cisterna e outras tecnologias mobilizadoras e formadoras que é possível potencializar e vizibilizar a rica experiência do povo do Semi-Árido”. Chaguinha sabe do que Elisângela está falando. A mudança na vida dela começou com a chegada de 30 cisternas no assentamento Independência, no Rio Grande do Norte, onde ela vive. Para conquistar a cisterna, ela precisava participar de um curso de cisterneira [também conhecido como curso para mulheres pedreiras]. No curso, ela não só aprendeu a construir cisternas, como também a vencer preconceitos.
“Hoje eu sou referência quando o assunto é cisterna, mas no começo ninguém acreditava que eu seria capaz. Também precisei enfrentar meu marido, que não permitia que eu viajasse e não queria que eu trabalhasse fora. Hoje é tudo diferente. Fazemos tudo junto”. Chaguinha ainda complementa, dizendo que além da autonomia, conquistou o direito de ter água de qualidade em casa. “Hoje, quando acordo, vejo minha cisterna bem linda, no quintal, e não preciso mais buscar água distante de casa”, conta.
As alternativas de convivência com o Semi-Árido não estão resumidas as de acesso à água, como mostou Marilza Pereira, do Ipêterras, localizado em Irecê, na Bahia. Ela explica que “o Semi-Árido é uma região enorme e muito rica, porém tem poucas áreas de preservação ambiental. Irecê, por exemplo, assim como outras áreas do Semi-Árido, sofre com a desertificação de forma grave”. É sob essa perspectiva que o Ipêterras desenvolve uma série de ações voltadas para permacultura, educação ambiental e resgate da cultura popular.
Agroecologia, sementes crioulas e agricultura urbana
Experiência em produção de alimentos no campo e na cidade, desenvolvidas em cinco estados do país, foram apresentadas na mesa temática Agroecologia, sementes crioulas e agricultura urbana.
No Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) desenvolve o projeto Bionatur, que envolve 2,5 mil famílias na produção de sementes agroecológicas. Para Dayana Machado, representante do MST, entre os desafios está desenvolver uma logística que possibilite o acesso às sementes a todas as famílias assentadas.
Em Santa Catarina, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) trabalha com o resgate das sementes crioulas. “Elas são resistentes a doenças e pragas e representam a independência dos agricultores e agricultoras em relação às multinacionais”, explica Kely Baden, do MPA.
O cuidado e a conservação das sementes crioulas também fazem parte da prática de agricultores e agricultoras da Paraíba, onde as sementes são chamadas de sementes da paixão. “A guarda e a seleção das sementes são atividades tradicionalmente feitas pelas mulheres. Dessa maneira, elas são guardiãs da biodiversidade”, defende Roselita Victor, da Articulação no Semi-Árido Paraibano (ASA/PB). Recentemente, a ASA fez um diagnóstico que permitiu o resgate de 220 variedades de sementes crioulas utilizadas no estado.
Já em Minas Gerais, a experiência de guardar sementes, cultivar hortas e criar animais são práticas da agricultura urbana. Desenvolvida em praças, creches, escolas, terrenos baldios ou em quintais, a agricultura nas cidades, além de repensar o espaço urbano “promove mudanças de comportamento, práticas alimentares alternativas e alimentação saudável”, explica Daniela Almeida, da Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas.
Resistências e ações diretas das mulheres contra as transnacionais
Uma quilombola, uma indígena, uma feminista urbana e uma trabalhadora rural. As quatro mulheres da mesa desta tarde têm origens distintas, organizações diferentes e a mesma luta contra empresas transnacionais, que invadem suas terras, sua cultura, e oprimem seus povos. Iranildes Barbosa, da Organização das mulheres indígenas de Roraima (OMIR) apresentou o processo de luta e resistência pela demarcação da reserva Raposa Serra do Sol. Além do enfrentamento externo, contra o preconceito dos não-indígenas e a voracidade de fazendeiros pelo seu território, as mulheres tiveram que enfrentar a violência interna, do machismo e da opressão dos homens.
A organização avançou, e na década de 2000, elas se organizaram de forma autônoma, fortalecendo a luta pelo território e por respeito. “Nossa prioridade hoje é conseguir a terra, em área contínua. A cada dia que passa, estamos mais conscientes de nossos direitos”, afirma.
Léia Marques, da Marcha Mundial das Mulheres, contextualizou a importância de as mulheres enfrentarem a luta em todas as frentes, ocupar o espaço público, as ruas. Como símbolo do enfrentamento aos padrões de consumo e beleza impostos, Léia contou as experiências de ação nas ruas de São Paulo e em grandes redes de supermercado.
Edite Prates, do MST, apontou como as organizações da Via Campesina compreendem o avanço do capital no campo, o que direciona a ação diretamente contra as grandes empresas transnacionais, que atuam na compra de terras, controle de sementes e na depredação do meio ambiente.
Depredação que atinge diretamente as comunidades quilombolas. Luzinete Serafim Blandino, da Comissão Quilombola Sapê do Norte, grupo natureza em ação das mulheres quilombolas do Espírito Santo, contou a dificuldade de sobrevivência depois da atuação perversa da Aracruz Celulose na região: envenenamento do solo, da água e de pessoas, trabalho precarizado e roubo do território. “Nosso objetivo é resgatar nossa terra. A gente resgatando a terra vai preservar o ambiente, cuidar da água, recuperar nossa cultura e nossa vivência”, diz.
Ocupações dos espaços e territórios urbanos
Todas as presentes de diversas regiões do Brasil estavam dispostas a contribuir e aprender com as experiências concretas de luta nos espaço urbanos. Sandra Maria da Silva, da coordenação nacional de articulação das comunidades quilombolas (CONAQ), Érica Aparecida, do MST de São Paulo e Salete da Silva Teixeira, do MTD, relataram três diferentes experiências, cada uma com suas especificidades e desafios.
A história de luta da chamada Comuna Urbana do MST foi apresentada por Érica, que afirmou que o movimento tem se desafiado a compreender e atuar de forma diferenciada nos espaços urbanos. A idéia da comuna surgiu em 2005, quando 250 famílias que viviam em uma área da CPTM – empresa de transporte ferroviário e metroviário de São Paulo – iriam ser despejadas. “Conseguimos, com muito respeito às famílias, levantar uma proposta de ocupação no município de Jandira. As conquistas foram se dando no dia-a-dia e de forma coletiva. Toda organização do espaço foi feita com a metodologia do MST”, afirmou.
O caso dos quilombos urbanos, em Minas Gerais foi relatado por Sandra. São 436 quilombos urbanos no estado, nem um deles tem titularidade da terra. Segundo Sandra, a especulação imobiliária, com o inchaço cada vez maior das cidades, está expulsando as famílias quilombolas das áreas que vão ficando valorizadas. “Hoje nossa principal luta é resistir e permanecer em nosso território, e com respeito. Não temos títulos das terras, mas nosso direito está garantido na constituição”, finalizou.
Preço da energia
O preço da luz é um roubo. Sobre esse tema, que movimenta a campanha contra os altos preços da energia, é que Cristiane Nadaletti, do MAB, aprofundou o debate e instigou a curiosidade de companheiras de diversos estados e organizações sobre a tarifa social. Depois de contextualizar porque o povo brasileiro paga a quinta tarifa de energia mais cara do mundo, Cristiane reforçou que a estratégia da campanha é a organização popular. “Mais que reduzir o preço da luz, queremos que a campanha da energia seja um instrumento político de organização popular pelo trabalho de base. Numa sociedade que preza pelo individualismo, a coletividade urbana é um desafio”, ressalta.
Na mesa esteve presente Verônica Kroll, da União Nacional de Moradia, que apontou como está sendo proposto um projeto de lei em São Paulo, que altera a liminar da tarifa social. “O que propomos é fruto da luta dos moradores da periferia da cidade, que regulariza a tarifa e a estende para um número maior de pessoas”.
Produção energética descentralizada
A mesa discutiu o modelo de energia renovável imposto pelo capital, a agroenergia e o modelo de bioenergia, proposta que está sendo construída pelos movimentos sociais. Segundo Rosiele Ludtlke, do MPA, os agrocombustíveis são do agronegócio, por isso não servem para os camponeses. “Precisamos utilizar o modelo de energia da biomassa, que vem dos recursos naturais”, aponta.
Cecília Bernardi, da MMM, conta a experiência dos agricultores da região das missões no Rio Grande do Sul. “Criamos junto aos agricultores micro-indústrias de alimentos e energia, pois não se semeia nenhuma planta só para a produção de energia, precisamos de comida”, diz Cecília.
Para a integrante do MST, Ana Terra Reis, o debate da energia descentralizada deve ser levado para todos os estados para conseguir acabar com o modelo energético importo pelo