Convergência da luta é novo marco da resistência no século 21

2007-06-14 00:00:00

"O império dos Estados Unidos está em crise, mas ainda tem uma forte hegemonia", afirmou o pesquisador belga François Houtart, estudioso dos movimentos de resistência na América Latina e noutros continentes. Apesar de o ataque do imperialismo ser muito forte em nossa época, ao mesmo tempo, esta ofensiva é um sinal da decadência e fragilidade de um sistema "ferido", compara. Houtart abriu a série de conferências do 5º Congresso do MST, apontando caminhos para a luta global.

Em sua análise, o pesquisador definiu o neoliberalismo, posto em prática em meados dos anos 1970, como a manobra do capitalismo para elevar as taxas de lucro. A receita para isso foi a livre circulação de mercadorias e, principalmente, de capitais, entre os países do mundo. Para François, isto resultou numa ofensiva do capitalismo em três frentes, que hoje caracterizam o neoliberalismo. A primeira delas contra o trabalho, a outra contra o Estado, para eliminar os investimentos em serviços públicos, como saúde e educação, e em terceiro, a ofensiva contra a natureza e os recursos naturais.

No entanto, a ofensiva do capitalismo produziu uma enorme contradição, porque afetou e piorou as condições de vida dos povos ao redor do globo. "A desigualdade é crescente no mundo, jamais se produziu tantas riquezas e, ao mesmo tempo, jamais houve tantos pobres", expôs Houtart. Ele ressaltou que hoje, uma pequena parcela da população mundial – cerca de 20% das pessoas – podem ter acesso ao desenvolvimento da humanidade, enquanto, de outro lado, morre de fome uma pessoa a cada quatro segundos, em média.

Outra contradição visível no modelo econômico global está justamente na principal nação imperialista, os Estados Unidos da América. O país carro-chefe da ofensiva do capital apresenta um déficit orçamentário enorme, um fato atenuado pelos países asiáticos, como China e Coréia do Sul, compradores de bônus do tesouro americano. Os ataques da política estadunidense contra os países do Oriente Médio são mais um sintoma de que o "império está ferido", como analisa François. Os EUA, de acordo com François, possui atualmente 900 bases militares espalhadas pelo mundo, gastando um pressuposto de U$500 bilhões para manter o aparato militar.

Luta articulada dos povos

Frente às contradições evidentes do modelo global, François enxerga como um fato novo a convergência de lutas dos movimentos sociais em todo o mundo, por meio de organizações como a Via Campesina, uma característica positiva da resistência no século 21. A unidade dos movimentos sociais é favorecida por uma articulação em rede, como aconteceu recentemente na luta contra a implantação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Os movimentos camponeses ganham nesta nova conjuntura um papel importante, como foi visto, sobretudo, nos protestos contra a Organização Mundial de Comércio (OMC), ocorridos em Cancún (México, 2000) e em Hong Kong (2005).

Para Houtart, a possibilidade de derrubar o imperialismo está na luta articulada dos diferentes povos, em resposta ao sistema neoliberal. Os movimentos sociais ganham força, tanto na América Latina quanto na Europa, diante de uma fragilidade dos partidos de esquerda no campo político tradicional. O pesquisador adverte, porém, que a luta dos movimentos sociais deve se dar em cooperação com os movimentos políticos e eleitorais, no entanto, com autonomia, para que os movimentos populares não sejam instrumentalizados para fins eleitorais. Ele também aponta a importância da participação dos movimentos sociais e camponeses na construção da Alternativa Bolivariana para as Americas (Alba).

Para dar inicio à substituição do atual modelo em crise, Houtart aponta caminhos: a resistência
deve ter como prioridade o eixo ecológico. Na economia, a produção deve se dar de acordo com o valor de uso e a necessidade dos povos, não mais de acordo com o valor de troca – princípio que rege a produção e a troca de mercadorias na economia capitalista. Tudo isto para a construção de um socialismo do século 21, mais maduro depois dos erros e acertos do "socialismo real" dos países do leste da Europa.

A nova fronteira do capital

Em meio à crise, o capitalismo necessita ampliar as suas fronteiras para manter as altas taxas de lucro, e, o horizonte das empresas transnacionais neste exato momento são os agrocombustíveis. A nova investida do capitalismo é a energia produzida a partir da matriz vegetal, visto que, os combustíveis fósseis estão cada vez mais escassos e, por conseqüência, caros. O capitalismo busca então apropriar-se das fontes de energia, transformadas pelas transnacionais capitalistas em mercadorias, "transformando a agricultura camponesa em agricultura produtivista de tipo capitalista, de acordo com o programa do Banco Mundial", analisa.

A conferência de François Houtart foi realizada na manhã desta terça-feira, dia 12, dentro da Programação do 5º Congresso Nacional do MST.