Assentados resistem à assédio de empresas de celulose
Vizinhos dos eucaliptos, trabalhadores rurais assentados no Espírito Santo e na Bahia vêm sofrendo com os impactos ambientais produzidos pelo monocultivo da espécie. Alvos de constantes investidas das papeleiras, os trabalhadores sentem-se ameaçados, e muitos se vêem obrigados a realizarem parcerias. As empresas se aproximam com o discurso da responsabilidade social, mas o que está camuflado é o interesse econômico das papeleiras sobre as áreas.
Dona Domingas Farias Santos, mãe de três filhos, faz parte do Assentamento Paulo Freire, no município de Mucuri, sul da Bahia. Ela conta que foi assentada em 1999, e que, desde então, vem percebendo as mudanças provocadas pelo plantio do eucalipto."O rio Mucuri, que é o maior da região, antes era mais cheio, tinha mais peixe. Hoje, está cada vez mais seco", afirma. A constatação de dona Domingas tem fundamento, já que um pé de eucalipto chega a consumir, em média, 20 litros de água por dia, como comprovam estudos.
Além da falta de água, muitos agricultores sentem-se obrigados a vender as suas terras. "A pressão é muito grande, não só das empresas, mas também da prefeitura que não quer a gente lá. Fazem de tudo para a gente deixar o assentamento. Para a prefeitura, é melhor os eucaliptos", desabafa dona Domingas. Segundo ela, com exceção das famílias assentadas, boa parte dos agricultores já arrendaram boa parte de suas terras para a realização do Fomento Florestal - desenvolvido pelas empresas papeleiras que atuam na região. "Como eles não conseguem crédito, acabam arrendando as áreas", conta.
O município de Mucuri, apesar de pequeno, é o 18º na economia baiana, devido à movimentação dos lucros das empresas de celulose. Lucro esse que não é revertido a população do município. Só para se ter uma idéia, a Suzano Papel e Celulose está construindo a segunda linha de produção de celulose na Unidade Mucuri, que terá capacidade instalada para produção de 1 milhão de toneladas de celulose.
"Com o desemprego, muitos filhos de assentados estão indo trabalhar na empresa, mas quando acabar a ampliação, vão ser dispensados. Só vai ficar a miséria", indigna-se dona Domingas. Dos 21 municípios do Sul da Bahia, apenas um não possui plantação de eucaliptos.
Espírito Santo
Infelizmente, essa não é uma realidade restrita ao Estado da Bahia. No Espírito Santo, trabalhadores do Assentamento Nova Esperança também são molestados pelas papeleiras. Lá, a Aracruz Celulose costuma realizar cursos com a comunidade e incentivar ações de reflorestamento, muitas vezes em parceria com a Secretaria de Agricultura do município de Aracruz, onde a empresa está instalada.
O projeto Fomento Florestal prevê que cada família plante eucalipto em dois hectares de suas próprias terras. "Primeiro a empresa chegou aqui para tentar comprar nossas terras, depois, eles vieram com essa história de fomento", diz Edmar dos Santos Amélio, assentado.
Outra ação da empresa foi a de ceder dois hectares de terra de suas áreas, mais insumos e venenos, para os trabalhadores desenvolverem o plantio de milho, feijão e maniva (mandioca). O objetivo, segundo Edmar era mostrar para a sociedade que era possível produzir debaixo dos eucaliptos. O projeto chegou a ser desenvolvido por duas famílias assentadas, mas não deu certo. "O resultado era o que a gente já esperava, não dá pra produzir debaixo do eucalipto", relata.
Êxodo, desemprego e violência
Um dos grandes problemas provocados pelo monocultivo de eucalipto é o êxodo rural, provocado, muitas vezes, pela escassez de água no campo, ou mesmo pela falta de trabalho, uma vez que a produção em grande escala é mantida via maquinários pesados, que substituem a mão-de-obra humana.
De acordo com Ivonete Conçalvez, coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes), entre os anos de 1996 e 2000, mais de 7.000 famílias deixaram o campo em Eunápolis, na Bahia, devido a expansão dos eucaliptais.
Ivonete afirma que a substituição da produção agropecuária pelo monoculitvo de eucalipto e o sistema de fomento desequilibraram economicamente a região. "Muitos trabalhadores perderam empregos, e se tornaram marginalizados, o que contribuiu para o aumento da violência nas regiões urbanas". (Leia na íntegra a entrevista)
Mas não é só a violência urbana que os atinge. Cercados pelos eucaliptais, isolados de tudo e de todos, os trabalhadores acabam também tendo dificuldades de acesso as suas próprias terras, já que os acessos às terras da região estão sempre vigiados pelos esquemas de segurança das empresas. "É uma sensação de aprisionamento", diz Ivonete. Segundo ela, a guarda armada das empresas de celulose está, cada dia mais, ocupando lugar de destaque nas causas dos conflitos no campo.