Os novos desafios do MST
Em 1985, eram pouco mais de mil militantes. Reunidos em Curitiba, no Paraná, aqueles Sem Terra se colocaram o desafio de construir um movimento social pela reforma agrária, no final do 1º Congresso Nacional do MST. Vinte e três anos se passaram, a realidade agrária permanece reproduzindo a injustiça. O Brasil é o segundo país do planeta com maior concentração fundiária. Cerca de 1,6% dos imóveis responde por 43,7% do território de todas as propriedades rurais do Brasil.
Mas se os trabalhadores seguem sem o direito de ter acesso à terra, a organização para reverter esse quadro avançou. Neste 5º Congresso, o MST reunirá 18 mil Sem Terra, em Brasília, para discutir os novos desafios do Movimento, entre 11 e 15 de junho. Um rumo que dialogue tanto com esse patamar de mobilização – será o maior congresso camponês da história da América Latina – quanto com as mudanças ocorridas na realidade agrária.
Em entrevista, Marina dos Santos, dirigente nacional, avalia que o MST precisa buscar novas formas de lutas para denunciar a atual realidade agrária, marcada pelo avanço do agronegócio e pelo controle dos territórios exercido pelas transnacionais. “No 8 de março deste ano, foram várias ações importantes e simbólicas, por exemplo, nas regiões de usinas canavieiras. Imagino que isso seja um exemplo de mobilizações e de luta que nós vamos ter que travar pela frente”, exemplifica, citando as ocupações realizadas pelas mulheres sem-terra nessas usinas para denunciar as condições de trabalho desumanas da indústria do etanol.
Esse 5º Congresso do MST será o maior da história do Movimento, com a participação de 17 mil pessoas. O primeiro, em 1984, reuniu pouco mais de mil militantes. O que esse crescimento reflete?
Eu acho que vários fatores devem ser levados em consideração. Esse considerável aumento do número de participantes é uma ampliação da base do Movimento tanto do ponto de vista de famílias assentadas e, principalmente, acampadas nos últimos anos. Isso é fruto da expectativa de realização da Reforma Agrária que se gerou em torno da própria eleição do presidente Lula, embora essa expectativa não tenha sido correspondida.
Outro elemento que devemos considerar é a maior organicidade interna do Movimento. Analisando com o nosso pessoal, isso nos dá uma emoção. Antes pagávamos gente de fora até para escrever o nome MST nas faixas. Agora, com o acúmulo, nós aumentando nossas habilidades. O nosso pessoal é que esta pintando o painel do Congresso. Um gigantesco painel com todos os elementos do momento. Além disso, o MST deu um salto de qualidade muito grande nos últimos tempos, principalmente pelo investimento em educação e na formação de nossa militância. Esse é o primeiro Congresso que nós temos os nossos engenheiros agrônomos, os nossos médicos, os nossos pedagogos, nós temos, ainda não formados, os nossos advogados, os nossos administradores, os nossos projetistas e uma militância com consciência de casse e uma firmeza de ideológica muito grande. Um outro exemplo disso é a campanha “todos e todas Sem Terra estudando”. Toda a coordenação, todos os dirigentes, toda a base, assentado, assentada têm que estudar. O resultado é a elevação do nível de consciência do nosso povo e uma capacidade maior de articulação, organização e intervenção da sociedade.
Outro elemento importante neste crescimento é a disposição de nossa base da necessidade da realização da Reforma Agrária no país. Mesmo os assentados, que já conquistaram a terra, sabem que logo enfrentarão limites institucionais, que tem a ver com a parte estrutural do Estado no sentido de avançar principalmente nas questões sociais. Mas, se de um lado, há todo este esforço do MST em investir na educação, por outro não existe escolas de segundo grau e universidades no meio rural. Há essa necessidade de reafirmar que a Reforma Agrária não pode ser vista de forma paliativa. Os próprios assentados colocam esta necessidade de se pensar políticas de Reforma Agrária como formas de distribuir a terra, a riqueza, mas garantir programas que resolvam as questões sociais do povo do campo na questão da educação, da saúde, da própria comercialização dos produtos das agroindústrias, da assistência técnica, ou seja, de investir de ter uma nova matriz tecnológica de produção de desenvolvimento do meio rural.
Em 1984, o MST buscava consolidar-se como um movimento nacional pela Reforma Agrária. Hoje, o cenário é outro. Esse novo patamar de organicidade interna coloca que desafios para o Movimento?
Uma questão importante é que o MST tem o desafio de buscar novas formas de luta e de enfrentamento com o latifúndio no campo que não seja somente a ocupação da terra. É necessário um novo tipo de ação que responda a esta nova onda do capitalismo no campo, por meio do agronegócio e das transnacionais. Precisamos denunciar que esse modelo não responde à necessidade da maioria das pessoas. Há o desafio de fazer com que a sociedade tome conhecimento do papel que essas empresas estão tendo. E isso não vai ocorrer apenas com a ocupação de terra. São necessários outros métodos que propiciem esse diálogo e esta conscientização da sociedade.
Outro desafio é que o Movimento amplie o processo de democracia e participação interna, principalmente na questão das mulheres e dos jovens. O Movimento já cresceu muito neste sentido. Os jovens são a maior parte dos que assumem as tarefas na parte de articulação e organização do Movimento. Mas é necessário aprofundar este método.
Outro desafio é como fazer esta luta do ponto de vista institucional para que a gente garanta condições de toda a nossa base estar num processo de educação, formação e capacitação permanentes. Por último, seria o MST estar cada vez mais próximo dos agricultores, dos setores da sociedade, dos trabalhadores que fazem a luta pela soberania popular enquanto nação, na defesa da nossa terra, da água da biodiversidade, neste projeto de convivência com o Semi-Árido, na defesa de nossas sementes. Temos também que continuar nesta construção de um projeto e de um instrumento político para viabilizarmos com a sociedade brasileira um projeto nacional de desenvolvimento. E, nesse projeto, a questão principal deve ser resolver os problemas internos do povo brasileiro, e não a reprodução desse modelo que prioriza o lucro das empresas.
Que exemplos podemos citar dessas outras formas de luta?
Neste sentido, podemos citar principalmente as experiências das mulheres a partir do 8 de março. Em 2006, no horto da Aracruz, os movimentos sociais do campo foram fortemente criminalizados, mas por outro lado foi muito simbólico porque a sociedade brasileira começou a ver o que as transnacionais estão fazendo no campo por meio do agronegócio. No 8 de março deste ano, foram várias ações importantes e simbólicas, por exemplo, nas regiões de usinas canavieiras. Imagino que são exemplos de mobilizações e de luta que nós vamos ter que travar pela frente.
Uma crítica que se faz ao Movimento é que o Congresso é pouco democrático, por não ter eleições, por exemplo, ou uma disputa de teses. Como funciona o Congresso?
O nosso método interno eletivo de nossas coordenações e direções das instâncias nacionais ocorre nos espaços dos Encontros Nacionais, que são feitos de dois em dois anos. É um espaço completamente democrático porque a representação das direções se dá através da indicação da região que as pessoa faz parte. O Encontro tem a tarefa de ratificar as indicações. Se alguém tem alguma discordância, é discutido ali e volta para o seu coletivo para definir. Por isso que, para nós, é um processo amplamente democrático. As nossas teses de construção do projeto de Reforma Agrária que vai ser debatido e refletido aqui no Congresso Nacional é um processo de construção nas bases. O Congresso é um encontro com os representantes da nossa base que já fizeram todo o processo de avaliação a partir de sua realidade. É a maior decisão do movimento para os próximos cinco anos.
E por que o lema deste quinto Congresso é “Reforma Agrária, por justiça social e soberania popular”?
Em cada congresso, o nosso povo aponta o rumo norteador de nossas ações a partir da definição da palavra de ordem. Desta vez, o debate nas bases aponta para a existência de dois projetos que estão em disputa no campo: o projeto do agronegócio, com a interferência das transnacionais que traz uma perda de soberania enquanto nação e, por outro lado, da necessidade da realização da Reforma Agrária como forma de se fazer justiça social neste país; como forma de distribuição de terra, gerar empregos saudáveis e garantir a soberania alimentar dos brasileiros.