Entre dois modelos de sociedade e produção agrícola
A cada dia que passa fica mais difícil para a população fazer a feira e comprar as frutas, legumes e verduras para toda a família. O dinheiro gasto com aluguel, transporte, supermercado, roupa e remédio, entre outros, absorve grande parte do orçamento dos brasileiros. O aumento do salário mínimo não vem sendo suficiente para recuperar o poder de compra perdido nos últimos 25 anos. Mais de 90% dos empregos no país têm como teto dois salários mínimos, o que não chega a R$ 800. O resultado é que 72 milhões de pessoas não comem o suficiente.
O desemprego e o empobrecimento da população têm impactos diretos na agricultura brasileira e, principalmente, nas 4 milhões de famílias que têm pequenas propriedades, onde são produzidos 70% dos alimentos consumidos, segundo dados do Ministério da Agricultura. O enfraquecimento do mercado interno diminui o consumo de mercadorias pelos trabalhadores e rebaixa o preço dos produtos agrícolas, o que estrangula os pequenos agricultores que dão prioridade para a plantação de alimentos.
“Estamos prisioneiros pela opção da elite nacional, que praticamente abandonou a política do pleno emprego, da produção e do trabalho em nome da financeirização da riqueza”, afirma o economista Marcio Pochmann, professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
No meio rural, a opção da classe dominante, com apoio dos governos, foi o chamado agronegócio, caracterizado pela produção de monocultura para exportação em grandes extensões de terra, de forma mecanizada e com pouca mão-de-obra. Como produz para fora, o setor está independe do crescimento dos salários do povo brasileiro.
“É um eufemismo para a atual fase do capitalismo no campo, marcada pelo aumento da taxa de exploração da mão-de-obra, pela exclusão, pela violência, pela concentração fundiária e pela degradação ambiental”, afirma José Juliano de Carvalho Filho, economista e integrante da equipe que elaborou a proposta de 2º Plano Nacional de Reforma Agrária para o governo Lula, em 2003.
Nesse contexto, os problemas dos pequenos produtores e dos pobres das cidades são duas faces da mesma moeda: a ausência de um projeto de desenvolvimento nacional. O que está em jogo são duas formas de organização da sociedade, que carregam no seu seio dois modos de produção agrícola.
De um lado, o projeto neoliberal impõe as plantações valorizadas nas principais bolsas de valores do mundo. Atualmente, os investimentos mais lucrativos apontam para soja, milho, eucalipto, cana-de-açúcar e algodão, as chamadas commodities que tem preço estipulado no mercado financeiro.
“O agronegócio é uma grande aliança entre as empresas transnacionais que controlam os insumos, o mercado internacional, os preços dos produtos agrícolas, associadas aos grandes proprietários capitalistas. Eles querem produzir apenas mercadorias que dêem lucro e para o mercado externo”, aponta o integrante da direção nacional do MST, João Pedro Stedile.
De outro lado, a alternativa é a construção de um projeto de desenvolvimento com soberania nacional, crescimento econômico, distribuição efetiva de renda, preservação do meio ambiente e dinamização do mercado interno, que comporta a pequena agricultura voltada para o abastecimento da população.
Programa agrário
Nesse sentido, o MST vai apresentar à sociedade a sua proposta para o campo brasileiro, intitulada "A Reforma Agrária necessária: Por um projeto popular para a agricultura brasileira", durante o seu 5º Congresso, o maior da história do Movimento, com a participação de mais de 18 mil delegados e delegadas de assentamentos e acampamentos de 24 estados, no Ginásio Nilson Nelson, em Brasília, entre 11 e 15 de junho.
O programa agrário apresenta objetivos e propostas concretas para a resolução da questão agrária, com a garantia de boa qualidade de vida e trabalho aos Sem Terra e a superação da brutal desigualdade social no campo. Além disso, propõe o modelo da soberania alimentar, com a produção de alimentos a toda a população, e a preservação da natureza.
O MST propõe para campo o modelo da soberania alimentar, que tem como princípio a defesa da alimentação como direito garantido na “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, de 1948. Para a entidade, a organização da produção agrícola deve ter como fundamento a divisão da terra em pequena e média agricultura para garantir a produção dos alimentos necessários para toda a população, libertando os países da importação de comida.
Além disso, as técnicas agrícolas devem ser ecológicas, respeitando o ambiente e produzindo alimentos de qualidade, sem agrotóxicos nocivos à saúde. Segundo estudo da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), de 4001 amostras de alimentos in natura, analisados entre 2001 e 2004, mais de 50% apresentaram algum tipo de resíduo, sendo que 931 eram irregulares.
Os trabalhadores rurais precisam controlar tanto a produção agrícola quanto o processamento dos alimentos para a comercialização dirigida para o mercado regional, com a venda do excedente para as cidades com maiores demandas. As sementes e os conhecimentos históricos dos camponeses não podem ser apropriados de forma privada por empresas.
"A sociedade precisa discutir uma forma de organizar a produção que beneficie a toda população. Precisamos estabelecer limites no tamanho da propriedade rural e dar prioridade ao mercado interno. O maior mercado de alimentos potencial não é a Europa nem Estados Unidos, são os pobres do Brasil", aponta Stedile.
O primeiro passo na transição do modelo do agronegócio para a agricultura camponesa, segundo ele, é o assentamento das 230 mil famílias acampadas pelo governo federal. Ao mesmo tempo, é preciso colocar em marcha um projeto de desenvolvimento, com a mudança da política econômica, distribuição de renda, valorização dos salários dos trabalhadores e apoio à pequena e média agricultura familiar.