Na África, camponeses influenciam políticas agrícolas

2006-03-28 00:00:00

"Togo não tem soberania alimentar. Somente exporta café, cacau e algodão,
porque é o que sobra no país. Os outros cultivos são voltados para o
mercado interno. Mesmo assim, faltam alimentos. Precisamos importar de
Gana. É proibido por lei exportar a alimentação básica local a fim de
evitar uma situação de fome", apresenta Mamadou Ballo, criador de gado em
Togo e integrante da Rede Roppa de agricultores camponeses do Oeste da
África.

Ballo apresenta os desafios dos trabalhadores rurais em Togo e descreve
que, como no Brasil, os camponeses são prejudicados pela concentração do
crédito nos grandes produtores e pelo baixo preço pago pela produção
familiar.

Por outro lado, a organização dos movimentos camponeses do oeste da
África conseguiu avanços com a fundação de redes regionais de luta. "Em
todas as cidades em que realizamos reuniões, chamamos nossa rede de
camponeses e apresentamos as nossas visões, que estão sendo inseridas nas
políticas de governo. Isso mostra que a nossa organização tem impacto. É
um processo novo", afirma.

Leia a seguir trechos da entrevista com Mamadou Ballo.

Camponeses em Togo

Togo apresenta, como em outras partes da África, a agricultura
tradicional. A maioria das pessoas, cerca de 90%, vivem nas áreas rurais
e suprem a alimentação da população urbana. Os principais problemas dos
camponeses africanos são a concentração da terra, os poucos recursos
financeiros para desenvolver a agricultura e a falta de políticas
agrícolas governamentais, em forma de créditos rurais. Os governos tentam
implantar bancos rurais, mas não disponibilizam créditos aos produtores.
Por meio da coerção, os empresários se beneficiam dos empréstimos dos
bancos, criados para oferecer créditos aos camponeses. Os baixos preços
pagos aos agricultores por sua produção são outro problema. Os camponeses
estão organizados o suficiente para pressionar por preços mais justos.

Políticas de governo

Desde a independência do país [década de 60 e 70], os camponeses não
foram incluídos nas políticas agrícolas do governo e nunca foram
consultados para a formulação de políticas públicas. O governo procura os
países desenvolvidos do norte a fim de obter dinheiro, traz empréstimos
para o país, mas o dinheiro fica para as elites dos países. Não são
revertidos para a população. Além disso, quando os governos desenvolvem
projetos, os camponeses também não têm acesso. Não sabem das ações e das
políticas do governo para o campo.

Organizações sociais

A África agora está dividida em comunidades econômicas regionais. Por
isso, nós criamos uma rede regional de camponeses. O processo é uma nova
parceria econômica e foi introduzido pelo Nepal. Temos a comunidade do
oeste, sul, centro, leste e norte da África. No meu caso, no oeste da
África, temos uma comunidade chamada CEEOA (Comunidade Econômica dos
Estados do Oeste da África), que pediu para participar das políticas
agrícolas da área. Em todas as cidades em que realizamos reuniões,
chamamos nossa rede de camponeses e apresentamos as nossas visões, que
estão sendo inseridas nas políticas de governo. Isso mostra que a nossa
organização tem impacto. É um processo novo. Não sabemos o que vai
acontecer no final.

Políticas governamentais

Não existe mais o agronegócio em Togo. Produzimos café, cacau, milho,
mandioca e batata-doce. Café e cacau não são mais culturas importantes,
como são na Costa do Marfim e em Gana, porque o objetivo do governo não é
mais a exportação. Agora apóiam a produção de milho, mandioca e batata-
doce para a subsistência, visando a soberania alimentar. Essa medida já é
um resultado da organização e da ação dessas comunidades regionais, que
alteraram o foco das políticas para os camponeses do agronegócio.

Mudanças

Desde a dependência dos países da África, os agricultores não eram
incluídos nas políticas agrícolas. A partir da formação dessa rede de
camponeses, o governo percebeu que o campo estava cada vez mais pobre.
Até então, o governo priorizava o cacau e o algodão, monoculturas para
exportação, em detrimento da agricultura camponesa. A nossa rede de
agricultores do oeste da África, que se chama Roppa, surgiu em 2001, para
promover a pequena agricultura para atingir a soberania alimentar. A
nossa rede regional cobre 10 países e, o próximo passo, é conseguir unir
todas as comunidades.

Fome

Togo não tem soberania alimentar. Somente exporta café, cacau e algodão,
porque é o que sobra no país. Os outros cultivos são voltados para o
mercado interno e ainda assim falta. Precisamos importar de Gana. É
proibido por lei exportar a alimentação básica local a fim de evitar uma
situação de fome. A questão da fome no mundo não tem como causa a pouca
produção de sementes, porque o mundo produz bastante. O problema é a má
distribuição de alimentos.

Concentração das terras

É um grande problema em Togo, onde a terra é passada por herança de pai
para filho. O governo não tem nenhuma terra e precisa comprar ou alugar.
Todas as áreas estão no setor privado, nas mãos de famílias. Agora
estamos refletindo em como podemos mudar esse sistema. A Roppa está
envolvida nesse processo. Lutamos para que a mulher tenha acesso à terra.
Após esses passos, continuaremos buscando mecanismos para a Reforma
Agrária, porque neste momento não há condições.