A defesa da biodiversidade e um novo paradigma civilizatório

2006-03-24 00:00:00

“A Terra já passou em 20% da sua capacidade de regeneração. Necessitamos de uma nova relação com a natureza, uma nova forma de consumir e de alimentar. Precisamos de uma nova ética, uma ética cidadã”, afirmou o teólogo brasileiro Leonardo Boff, no Fórum Global da Sociedade Civil, que acontece paralelamente à COP-8, em Curitiba.

Criar uma nova relação de respeito, de cooperação e de coexistência entre homem e natureza. Este é o desafio colocado para a humanidade se ainda quiser garantir a sobrevivência das civilizações diante de tanta miséria, exploração e da degradação ambiental.

Nesse sentido, Boff afirma a necessidade de se formar uma nova ética, que seria gerada a partir da conscientização do homem e se efetivaria na vontade de colocar novos princípios em prática a favor da transformação da sociedade.

É preciso a formulação de um visão diferenciada do atual sistema neoliberal, com agricultura baseada na monocultura e no uso de venenos, práticas políticas arcaicas e ciências formadas por conhecimentos fragmentados, que devem ser substituídos.

Marta Maffei, deputada federal na Argentina, analisa que a dominação de outros países se dá por meio do controle da cultura dos povos, agravado pela subserviência dos governos. Os grandes grupos econômicos exploram e privatizam os recursos naturais e utilizam mão-de-obra pagando pouco, sem qualquer tipo de resistência do Estado. “Os governos aceitam a contaminação ambiental e a dominação de seus países como um `mal necessário' em troca do dito desenvolvimento”, critica.

A escola, um dos instrumentos de mudança social, não está cumprindo seu papel conscientizador e formulador de críticas entre a população. “Atualmente as escolas não ajudam a formar a pluralidade e a diversidade nas pessoas. Nem compreende que precisamos nos organizar e lutar para obter nossos direitos. O que é negativo, porque todos são elementos importantes para uma transformação”, aponta.

Outra instituição forte na sociedade, a política, também é questionada pela deputada, que tenta inserir em seu cotidiano uma nova relação entre a população e os parlamentares, ditos representantes do povo. “Uma outra visão do mundo significa construir um contra-poder. O neoliberalismo produz uma dependência econômica, social e política que acaba com o meio ambiente e empobrece o as pessoas. Os políticos precisam dar soluções concretas para o povo, escutando a sua voz e contruindo um novo poder”, defende.

Agricultura

Um novo paradigma também pressupõe mudanças na forma em que a sociedade enxerga o papel da agricultura e em como utiliza as suas técnicas. Na opinião da pesquisadora canadense Louise Vandelac, da Universidade de Quebec, as alterações climáticas e o surgimento de novas doenças e pragas mostram ao ser humano que a vida no planeta não está garantida. Entre as causas apontadas pela cientista estão as chamadas novas tecnologias de ponta, que inclui os transgênicos.

Os dados são alarmantes. Atualmente, 98% dos transgênicos utilizados no mundo são plantas pesticidas, resistentes aos agrotóxicos. Proporcionalmente, levantamentos apontam um crescimento de 4% no uso de venenos em lavouras transgênicas. “A utilização dos transgênicos é um perigo à biodiversidade. Pesquisas mostram que houve uma redução de 70% nas comunidades de sapos perto de cultivos geneticamente modificados, devido aos agrotóxicos”, relata.

Os estudos feitos com agrotóxico a base de glifosato fabricado pela Monsanto, chamado Roundup Ready, mostram que a substância pode agir no sistema endócrino dos animais, afetando a sua reprodução. Isso que pode acontecer com os seres humanos também.

Louise concorda que a resistência aos transgênicos tem aumentado, mas em uma velocidade bem menos do que a utilização dos transgênicos. “A procura por produtos orgânicos cresce, mas representa um terço do uso dos transgênicos. E isso se deve ao poder de abordagem das multinacionais junto ao mercado e aos consumidores”, argumenta.

“O desafio que está posto à humanidade é o de ter sabedoria e coragem para entender as alterações na natureza que estão por vir e defender o que ainda está em tempo”, finaliza