Via Campesina divulga carta aberta a presidente Lula

2006-03-09 00:00:00

Carta aberta ao Sr Luiz Inácio Lula da Silva

Presidente do Brasil

Em nome de dezenas de organizações camponesas de todos os continentes, reunidos no âmbito da realização da II Conferência Internacional da FAO, vimos, à presença de V. Excelência, manifestar nossa preocupação em relação às posições do governo brasileiro na OMC e nas conferências de Curitiba.

1. Sobre a OMC

Em Cancún (México), o governo brasileiro adotou uma postura de defesa e resistência frente à chantagem dos Estados Unidos e da União Européia, e junto com as mobilizações sociais gerou uma esperança aos pobres e marginalizados do mundo ao frear as tentativas de acordo no âmbito da OMC.

No entanto, a posição do governo do Brasil e da Índia na última Conferência Ministerial da OMC, em Hong Kong, foi uma enorme desilusão. O que está sendo negociado atualmente, caso se consiga o acordo, implica graves consequências para a agricultura camponesa, como também para as economias locais, porque implica na privatização dos recursos naturais, na abertura e liberalização dos mercados.

Em contrapartida, os governos do sul irão liberalizar os serviços públicos, como saúde e educação, assim como os mercados de produtos não-agrícolas, que por sua vez, trará enormes prejuízos aos interesses do povo brasileiro e da economia nacional em favor de uma economia globalizada controlada por empresas multinacionais.

A Via Campesina acredita que é necessário suspender a Rodada de Doha. Acreditamos que não cabe à OMC regular a alimentação e a agricultura nem os serviços públicos. Estamos falando de direitos básicos da sociedade que não podem ser tratados como simples mercadorias. A soberania alimentar dos povos deve ser o princípio sobre o qual devem ser baseados os tratados internacionais.

Entendemos que o governo do Brasil deve defender os interesses de seu povo e não do setor agroexportador. Por isso, exigimos que o governo articule a suspensão das negociações na OMC.

2. Em relação às Conferências de Curitiba sobre o Protocolo de Cartagena (MOP 3) e a Convenção da Diversidade Biológica (COP 8) conclamamos o governo brasileiro a defender as seguintes posições

A) A clara e precisa identificação dos carregamentos com produtos transgênicos com a expressão “Contém OVM’s”, em respeito ao direito dos cidadãos e dos povos de conhecer a origem e qualidade dos alimentos que consomem. Isso representa uma restrição à contaminação da biodiversidade, do setor agrícola e alimentar com transgênicos, que não representam nenhum benefício para camponeses e consumidores.

B) Que os desenvolvedores de produtos transgênicos devam responder por danos resultantes da movimentação internacional e uso desses produtos.

C) A extensão da moratória para adoção das “tecnologias de restrição de uso” (gene terminator – sementes estéreis) pois representam uma séria ameaça de controle da produção de alimentos pelas grandes corporações e de desrespeito ao direito histórico à reprodução das sementes pelos agricultores.

D) Defender medidas que assegurem a proteção da biodiversidade biológica;

E) Defender a proibição das patentes sobre a vida;

Esperamos que o governo brasileiro leve em conta estas posições para defender os interesses de sua população em vez de atender às pressões das transnacionais e do setor agroexportador.

Em relação à Conferência Internacional da Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, esperamos que os governos se articulem em vista de manter e ampliar iniciativas, em vista da realização da Reforma Agrária e que a FAO cumpra com seu mandato histórico de acabar com a fome e promover o desenvolvimento sustentável do meio rural.

Atenciosamente,

Pela Via Campesina
Paul Nicholson (País Basco)
Prem Dangal (Nepal)
Marco Antonio Ortiz (México)
Carlos Waymon (Nicarágua)