Via Campesina discute reforma agrária e globalização da luta
Encarar a reforma agrária como um instrumento que proporcione uma relação sustentável entre os camponeses e o meio ambiente, não se limitando somente à conquista da terra. Esse foi o tom que permeou as discussões no primeiro dia do Encontro Internacional dos Sem Terra, organizado pela Via Campesina Internacional na sede dos padres capuchinhos em Porto Alegre (RS), Brasil. Cerca de 150 camponeses de movimentos sociais da Europa, Ásia, África e Américas falaram sobre suas realidades locais e discutiram uma nova visão sobre a atividade agrícola e a função social da terra. As estratégias de luta e de resistência às políticas neoliberais, principalmente da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do Banco Mundial, também estiveram presentes entre os debates.
Na avaliação de Peter Rosset, integrante do Comitê Internacional de Planejamento para a Soberania Alimentar, os conceitos sobre reforma agrária vêm sendo alterados com o passar do tempo. Nesse sentido, ele salienta o papel da Via Campesina, que trabalha para mostrar a abrangência do tema. "A luta da reforma agrária não se limita somente à questão da terra, que é um dos meios físicos utilizados pela agricultura para produzir alimentos. Ela traz a tona a importância do território, evidenciando uma nova relação de respeito do homem com o meio ambiente", afirma.
Daniel Pascual Hernandez, do movimento indígena da Guatemala, alerta que a discussão sobre o conceito de território, muito presente entre os povos indígenas, não deve ser visto como algo restrito à cultura deles. "Os povos indígenas reconhecem que tanto a fauna e a flora quanto os seres humanos, fazem parte, e não são os donos do espaço", defende. Hernandez lançou o desafio de desenvolver, no interior dos movimentos camponeses, a relação entre brancos e índios, a qual foi destruída no período da colonização européia na América Latina.
Outra questão bastante problematizada durante o encontro foram as estratégias de luta e de defesa dos territórios. A mais utilizada e que acaba dando mais resultados são as ocupações dos latifúndios, sendo muito praticadas por camponeses americanos e asiáticos a fim de pressionar os governos a fazerem a reforma agrária. No entanto, Egídio Brunetto, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no Brasil, ressalta a importância das ações locais sempre estarem direcionadas a uma luta global. "Precisamos de lutas internacionais e anti-imperialistas, que tragam os jovens e mudem a relação com a natureza. Temos que produzir alimentos e não mercadorias", argumenta.
Neoliberalismo – O encontro dos sem terra apontou a divergência entre a reforma agrária proposta pelo Banco Mundial, a qual será defendida na 2ª Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, e o processo defendido pelos movimentos sociais do campo. A primeira conferência, realizada pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) em 1979 em Roma, na Itália, foi marcada por pontos positivos e negativos. Ao mesmo tempo em que iniciou o debate em defesa da biodiversidade, considerando as sementes como um patrimônio da humanidade, também adotou a política de reforma agrária proposta pelo Banco Mundial. "É nesse momento em que ocorre a ruptura entre as instituições mundiais e os movimentos sociais", analisa Egídio. O Banco Mundial financia os governos para que comprem as terras aos camponeses sem terra, ao invés de desapropriar as áreas que não são produtivas. "Com essa política, o Banco Mundial ignora a função social da terra, transformando-a em mercadoria", contesta.
A postura neoliberal dos governos também foi criticada pelos participantes. Geridos pela lei da propriedade privada em detrimento do bem social, os governos geralmente se utilizam das forças policiais e militares para recriminar os movimentos sociais. As investidas dos Estados Unidos na Amazônia brasileira, na zona da tríplice-aliança no Paraguai, e agora com a construção da base militar na Coréia do Sul, estão colocadas no plano de lutas da Via Campesina.