Manifesto de Santiago

2007-11-13 00:00:00

Reunidos em Santiago do Chile, nos dias 8 e 9 de novembro de 2007, no marco da Cúpula pela amizade e integração dos povos ibero-americanos, os representantes de organizações sociais, políticas e culturais, de povos originários, entidades acadêmicas, artísticas e cidadãos em geral, debatemos, em um marco de pluralismo e respeito, as contraditórias realidades de nossa região e proposto ações que permitam avançar para a democratização, unidade, soberania e autodeterminação de nossos povos e nações.

O NOVO PROTAGONISMO SOCIAL

Constatamos, esperançados, o ressurgimento de um estendido protagonismo dos movimentos sociais, e forças políticas progressistas cujas lutas articuladas, cada vez mais amplas e persistentes, influíram decisivamente na eleição –em diversos países– de governantes afins e sensíveis ao grande ideário de emancipação, unidade e integração latino-americana, impulsionando processos de mudança na região, que avaliamos como um avanço de grande projeção histórica.

Já podemos falar de futuro e desenhar estratégias baseadas na solidariedade e a cooperação de nossos povos, porque estamos presente e evocamos, hoje, a líderes e movimentos que ontem esbanjaram heroísmo e tenacidade incomensuráveis. O dizemos desde o Chile, onde a cobiça entrou com a espada e a cruz para achatar, depois que 300 anos, a resistência exemplar do povo mapuche; a 100 anos do massacre de trabalhadores chilenos, peruanos, bolivianos, argentinos e espanhóis na Escola Santa María de Iquique. Neste país, onde as empresas transnacionais ativaram a maquinaria militar e financeira do império para derrubar ao Presidente Constitucional Salvador Allende e impedir seu projeto de transformações sociais e de unidade latino-americana; onde as baionetas serviram à plutocracia e ao capital estrangeiro para entronizar um modelo neoliberal que se traduz na extrema concentração da riqueza, a exclusão social e política das grandes maiorias, onde os poderes fáticos e o grande capital passaram a controlar a política, os meios de comunicação e a institucionalidade.

A nova realidade política do continente e suas promisorias perspectivas reconhece uma multiplicidade de vertentes sociais, culturais e ideológicas que adotam originais métodos e você estrutura, diversos linguagens, formas de luta e propostas programáticas. Nessa diversidade, antítesis do dogmatismo, sectarismo e hegemonismo, radica sua força e sua legitimidade histórica.

A partir das demandas pela proteção do ecossistema, a defesa da terra, os territórios e os direitos dos povos originários, a rejeição à depredação e transferência de nossos recursos naturais, as reivindicações dos trabalhadores, a rejeição à expropriação das economias previsorias, a denúncia das bases militares estadunidense em setores estratégicos do continente, a defesa dos direitos humanos, o fortalecimento do rol do Estado nos empreendimentos produtivos e para garantir o direito cidadão à Saúde, Educação e Moradia, Trabalho e Previsão, contra a discriminação da mulher e os adultos maiores, pelos direitos da juventude e outros setores avassalados pelas políticas neoliberais, os movimentos sociais avançam para propostas políticas unitárias ante os grandes problemas nacionais e contribuem para levantar uma nova alternativa que permita à América Latina e o o Caribe intervir com força própria nos candentes problemas que enfrenta a humanidade.

Pelo mesmo é que rejeitamos aquelas práticas que buscam atomizar às organizações sociais subordinando-as como insumo de políticas estatais funcionais que apontam a perpetuar o modelo econômico e institucional.

Os movimentos sociais já não se conformam com mudanças cosméticas mas colocam uma rejeição total ao atual modelo de dominação econômica, política e cultural que implica a comercialização de todos os âmbitos da vida pública e pessoal e o ânimo de lucro como supremo valor de uma sociedade que percebe a cada indivíduo como rival do outro. O anterior, em consonância com a crítica que fazem os povos, a nível mundial, à globalização depredadora e à guerra como solução aos problemas da humanidade.

Por sua vez, as forças políticas que buscam alternativas ao sistema imperante, têm o desafio de encontrar novas formas de interlocução e complementação com as lutas sociais, no entendido que ambas esferas se retroalimentam e se necessitam.

UMA INTEGRAÇÃO DESDE OS POVOS E PARA OS POVOS

Entendemos a integração regional como um processo de enriquecimento mútuo, de potencializar nossas fortalezas, de nossa capacidade de intercomunicação com o mundo, partindo do reconhecimento do ser humano a cujo bem-estar e felicidade devem subordinar-se todas as políticas públicas.

Na forja do futuro da América Latina e o o Caribe, podemos construir cidadania com o melhor de cada povo e cultura que a compõe. Sua integração deve dar-se desde a mesma base social, partindo das seguintes premissas essenciais:

• A recuperação dos recursos naturais, minerais, hídricos, pesqueiros, florestais e energéticos; a reforma agrária e a soberania alimentar como processos que garantam a participação e os interesses dos povos e nações.

• A integração energética em harmonia com o meio ambiente.

• Os acordos de integração econômica devem colocar o acento nas múltiplas formas de economia solidária, protegendo o rol da micro, pequena e média empresa.

• Este processo admite múltiplas modalidades institucionais no âmbito setorial e territorial, com diversos graus segundo a realidade de cada região. Em tal sentido, apoiamos o surgimento de instrumentos tais como a ALBA, Banco do Sul e outros, que são expressão da vontade integradora de nossos povos.

• A luta democrática deve fortalecer os processos constituintes e a criação de uma nova institucionalidade que considere o rol protagonista do movimento sindical, dos trabalhadores da cidade e do campo, dos povos indígenas originários e do conjunto das forças sociais. Nesse contexto, cumprimentamos a aprovação, por parte das Nações Unidas, da Declaração Internacional sobre os direitos dos povos indígenas.

• O desmantelamento dos mecanismos de opressão que conjugam idade, classe, sexo, gênero e etnia.

• A ativa solidariedade com os povos e governos que constroem caminhos alternativos ao capitalismo neoliberal. Neste sentido, denunciamos ao governo dos Estados Unidos por seu constante satanizaçao e criminalizaçao das lutas sociais e suas atividades de agressão e fustigação aos governos que adotam o rumo da emancipação popular.

• O respeito e reconhecimento às culturas e autonomias das comunidades originárias.

• A resolução dos conflitos históricos entre as nações, a redução dos pressupostos bélicos, o desarmamento proporcional e progressivo em todos os países da região para reorientar estes recursos às necessidades de saúde e educação.

• O livre trânsito das pessoas e seus direitos migratórios.

Nossos povos estão em capacidade de unir-se apesar da diversidade geográfica, étnica, cultural e política, para imaginar e construir outras soluções para este único mundo. Sabemos que esta luta se enfrenta a inimigos carentes de escrúpulos, cuja voracidade e hegemonismo significaram enormes tragédias para nossos povos. Ainda assim, acreditamos na justiça de nossos postulados e nos fazemos cargo das grandes epopéias que ao longo de cinco séculos nos permitiram avançar para a condição de povos dignos, sujeitos de nossa própria história.