Brasil: VI Congresso do MST-10 a 14 de fevereiro em Brasília

Joana Tavares
2014-02-10 18:00:00

 

Pedro Stedile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), avalia o atual cenário no campo: “O capital está impondo o agronegócio como única forma de se produzir”

 

O Brasil nunca teve um programa de reforma agrária que de fato se propusesse a democratizar o acesso a terra e garantir terra aos pobres do campo. Assim, João Pedro Stedile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), avalia o atual cenário no campo. Segundo ele, de acordo com a correlação de forças, “às vezes avançamos e conseguimos mais assentamentos e outros períodos o capital avança e impede que tenhamos desapropriações. E essa é a situação atual”.

 

Frente a esse cenário, nos dias 10 a 14 de fevereiro, mais de 15 mil militantes do MST estarão reunidos em seu VI Congresso, em Brasília. Passados 30 anos da fundação do MST, as configurações do campo brasileiro sinalizam para a agudização das contradições sociais que se acumulam como uma dívida histórica.

 

“Diante dessa situação adversa, nós passamos os últimos dois anos debatendo com nossa base, nossa militância e construímos a ideia da necessidade de um programa de reforma agrária popular”, afirma Stedile. Segundo ele, nesse programa foi colocado a necessidade de fazer amplas desapropriações dos maiores latifúndios, começando pelas empresas estrangeiras.

 

Nesta entrevista, Stedile fala sobre o atual cenário da reforma agrária e sobre os principais desafios para a classe trabalhadores neste ano. “Apesar dos avanços que houve nos últimos dez anos em relação ao neoliberalismo, porém, os trabalhadores enfrentam ainda graves problemas, que afetam também a juventude”, afirma. Ele acredita que as mobilizações, mais do que bem-vindas, são necessárias, para seguirmos mudando o país.

 

ENTREVISTA

 

Brasil de Fato – Qual a situação da reforma agrária no país hoje?

 

João Pedro Stedile – O Brasil nunca teve um programa de reforma agrária que de fato se propusesse a democratizar o acesso a terra e garantir terra aos pobres do campo. Então, de acordo com a correlação de forças, às vezes avançamos e conseguimos mais assentamentos e outros períodos o capital avança e impede que tenhamos desapropriações. E essa é a situação atual. Nem temos reforma agrária, e mesmo os processos de conquistas de novos assentamentos estão parados. E isso se deve a que há uma especulação dos preços das commodities agrícolas, que aumentou o lucro dos fazendeiros e jogou o preço das terras nas nuvens. O capital está impondo o agronegócio como única forma de se produzir. E se completa com o governo Dilma, que é hegemonizado pelo agronegócio. Os que defendem a reforma agrária dentro do governo são minoritários. E pior ainda, há uma incompetência administrativa do Incra impressionante, que não consegue resolver os mínimos problemas, mesmo de quem já está assentado.

 

Como as mudanças projetadas pelo MST no campo impactariam as pessoas que vivem nas cidades?

 

Diante dessa situação adversa, nós passamos os últimos dois anos debatendo com nossa base, nossa militância e construímos a ideia da necessidade de um programa de reforma agrária popular. Que representasse mudanças necessárias para todo povo e não apenas para os sem terra. E no nosso programa colocamos a necessidade de fazer amplas desapropriações dos maiores latifúndios, começando pelas empresas estrangeiras. Precisamos priorizar a produção de alimentos. Precisamos produzir sem agrotóxicos para que o povo da cidade tenha saúde. Precisamos adotar a agroecologia como uma nova matriz de produção em equilíbrio com a natureza. Precisamos instalar agroindústrias na forma cooperativa, para dar emprego aos jovens do campo, estancar o êxodo e distribuir renda. E finalmente precisamos democratizar o acesso a escola em todos os níveis. Essa é, na essência, nossa proposta de reforma agrária.

 

Você esteve recentemente na Pontificia Academia de Ciências, no Vaticano, a convite do papa Francisco discutindo a questão da fome no mundo. Que impressões teve desse encontro?

 

Causou a todos surpresa, pois pela primeira vez o Vaticano convocou dois movimentos sociais, o MST e o movimento dos Cartoneros (catadores de material reciclável) da Argentina, para debater com bispos, intelectuais e cientistas que fazem parte da Academia, qual é a causa dos pobres, dos excluídos e de tantos problemas econômicos. Colocamos nossa visão sobre a etapa atual do capitalismo financeiro e internacional, que está dominando o mundo e que são os principais responsáveis. As 300 maiores empresas do mundo controlam 60% de toda a riqueza. Um por cento dos ricos controlam metade de toda a riqueza da humanidade. Sem combater a esse sistema, não teremos uma sociedade mais igualitária, mais justa e democrática. O seminário agora terá certamente outros desdobramentos, com outros encontros promovidos pelo papa Francisco, que está nos surpreendendo a todos.

 

O MST foi o principal movimento social do Brasil nas últimas décadas. Agora, surge como principal ator social a juventude. Qual sua opinião sobre os movimentos de juventude da atualidade?

 

As mobilizações da juventude, em qualquer sociedade, são sempre uma espécie de termômetro, que indicam a temperatura de indignação de toda a sociedade. E aqui não foi diferente. Apesar dos avanços que houve nos últimos dez anos em relação ao neoliberalismo, porém, os trabalhadores enfrentam ainda graves problemas, que afetam também a juventude. E a juventude foi para a rua dizer em nome de todos nós que precisamos de mudanças sociais. Mudanças no regime político, que não representa a ninguém. Mudanças na política econômica. E mais. Estado e poder público atendendo às necessidades do povo, na saúde, educação e transporte públicos de qualidade.

 

Como o MST está pensando em dialogar ou se articular com essa juventude?

 

Em todas as mobilizações, nós procuramos participar com nossa militância, apesar de que nossa base social está longe das capitais. Seguimos incentivando a que juventude se organize, se mobilize. E ao mesmo tempo, contribuímos na construção de plenárias estaduais e nacionais de todos os movimentos sociais, que envolvem todos os setores, desde o movimento sindical até as pastorais, para discutirmos os rumos do país e a necessidade de uma reforma política.

 

Você acha que as manifestações de junho protagonizadas por esses jovens foram uma surpresa pela proporção e impacto que tomaram?

 

Foram surpresa pela forma e rapidez como aconteceram. Mas todos os militantes sociais sabiam que os problemas que o povo está enfrentando nas grandes cidades estavam aumentando e latentes. A situação dos transportes públicos é um caso; perde-se horas no trânsito e é caro. Enquanto o governo isenta IPI e incentiva o transporte individual, que as multinacionais automobilísticas agradecem. O atendimento da saúde pública é uma vergonha. E isso pelo menos destravou o Programa Mais Médicos, que é uma coisa boa. E na educação, temos graves problemas, desde elevada taxa de analfabetismo, que atinge 18 milhões de trabalhadores adultos, até o fato de 88% da juventude em idade universitária não conseguir entrar na universidade. Por outro lado, a política institucional no Brasil foi sequestrada pelos financiadores de campanha, que transformam os eleitos em reféns do capital. E o povo, a juventude, não se sente mais representado nos parlamentares, no sistema político. Então, dia mais, dia menos, esses problemas apareceriam. E apareceram no melhor lugar possível: nas ruas! Que é o melhor lugar da juventude praticar a democracia.

 

Qual o saldo das mobilizações de junho para a luta política no país?

 

Em termos de conquistas reais, foi ainda pequeno, porque barraram apenas o aumento das tarifas. Mas o saldo político é fantástico. Recolocou a política nas ruas. Recolocou o debate das mudanças necessárias. E colocou na pauta a reforma política e a necessidade da convocação de uma Assembleia Constituinte. E o processo está ainda em curso, tende a aumentar.

 

No balanço de 2013, os movimentos levantaram alguns retrocessos na política econômica nacional. A que se deveu esse retrocesso?

 

A política econômica do governo federal é um dos palcos centrais da luta de classes da sociedade brasileira. Pois é através dela que as classes dividem a riqueza produzida todos os dias pelos trabalhadores. E há uma pressão permanente dos bancos e das grandes empresas, para abocanharem os recursos públicos, na forma de juros. Na forma de empréstimos favorecidos no BNDES, na forma de emendas parlamentares, na forma de isenção de impostos. E, dos lados dos trabalhadores, precisamos disputar para que esses recursos, que são públicos, que são de todo o povo, sejam priorizados nos investimentos da educação, da saúde, da reforma agrária e dos transportes públicos nas grandes cidades. E nessa luta, acho que em 2013, a classe trabalhadora saiu perdendo. Os bancos abocanharam 280 bilhões de reais do tesouro em juros. O Banco Central, dominado pelos bancos, aumentou a taxa de juros. O cidadão comum, o comércio e a indústria pagam taxas de juros que variam de 40% a 144% ao ano. Isso é uma afronta. E o governo ficou administrando, sem coragem e força para brecar o poder econômico, porque parte do governo está impregnada por esses interesses.

 

A direita e a esquerda estão apostando que as mobilizações voltarão no período da Copa do Mundo. Há risco de as mobilizações, que são um sinal de desejo de mudança, contribuírem com as forças conservadoras? Isso pode ser usado no jogo eleitoral?

 

Mobilizações massivas sempre ajudam a fazer debate político na sociedade. A direita brasileira não tem nem base social, nem discurso, nem proposta para mobilizar milhões. Porque seria mobilizar contra os interesses do povo. As mobilizações, mais do que bem-vindas, são necessárias, para seguirmos mudando o país, para termos mais o Estado a serviço do povo. Mais recursos para a educação, saúde. Os que têm medo do povo é porque já estão longe de seus interesses. Nenhuma mudança social ocorreu, na história da humanidade, sem que tenha havido mobilização popular. Nenhuma mudança acontece pela “vontade generosa” de algum governante ou guru. Em relação ao calendário, torço para que as mobilizações de rua comecem logo, pois no período da realização da Copa vai confundir a cabeça do povo, que quer ver a Copa, e pode reduzir as mobilizações como se fossem apenas protesto pelo dinheiro gasto nas obras. O dinheiro que foi gasto nos estádios, em torno de 8 bilhões, claro que poderiam ser melhor aplicados, porém, eles representam apenas duas semanas do volume de recursos que o governo passa para os bancos. Então, a cada duas semanas temos uma Copa do tesouro nacional para os bancos. E esses são os nossos inimigos principais, que precisamos denunciá-los e derrotá-los, dentro e fora do governo.

 

O que esperar das eleições de 2014?

 

Pessoalmente, acho que não teremos grandes mudanças. Nem nos eleitos, nem nas propostas que os eleitos defendem. Então, as verdadeiras mudanças não dependem mais do calendário eleitoral, vão depender da capacidade da classe trabalhadora desconstruir um programa unitário de medidas que a sociedade precisa para poder resolver os problemas do quotidiano do povo.

 

O MST e outros movimentos sociais pretendem lançar alguma bandeira política e construir mobilizações neste ano?

 

Já está posta na rua, desde o segundo semestre do ano passado. Nós participamos de uma ampla frente popular, desde a CNBB, OAB, ABI, CUT e movimentos populares, para juntos lutarmos por uma reforma política. Uma reforma política que mude as regras do jogo, devolva ao povo o direito de escolher seus verdadeiros representantes, altere a correlação de forças na sociedade e abra portas para que ocorram as outras reformas necessárias: a reforma urbana, a reforma agrária, a reforma educacional garantindo 10% do PIB para educação, a ampliação dos recursos para saúde, e o controle dos juros e do superávit primário.

 

Em quais outras reivindicações você apostaria como as principais para 2014?

 

Esse é o salto político que nós, os movimentos populares, vamos precisar dar. Mais do que pautas específicas de reivindicações, que cada setor social vai continuar lutando para atender as necessidades de sua base, agora é fundamental construirmos uma unidade programática em torno dos temas políticos. Unidade para fazer um grande mutirão nacional e fazermos trabalho de base para discutir com o povo quais mudanças políticas queremos. E a partir desse debate, organizar um Plebiscito Popular na semana de sete de setembro, para que o povo vote na possibilidade ou não da convocação de uma Assembleia Constituinte, eleita de forma soberana, sob outras regras, e exclusiva, para fazer a reforma política do país. Tenho esperanças de que poderemos mobilizar milhões de brasileiros nessa missão, e com isso aglutinar forças para pressionar os Três Poderes da República para convocar a Assembleia Constituinte em 2015.

 

FUENTE: KAOS EN LA RED