Assassinato de Sem Terra completa 16 anos e culpados continuam impunes
O dia 7 de fevereiro de 1998 ainda não tinha clareado nos barracos de lona fincados na Fazenda Boa Sorte quando as famílias acampadas ouviram chegar carros e caminhões. Mais de 40 homens armados com escopetas calibre 12, encapuzados e vestidos com camisas pretas desceram dos veículos. Foram lá determinados a despejar ilegalmenteas 70 famílias sem terra que ocupavam as terras improdutivas da fazenda Boa Sorte, em Marilena, Noroeste do Paraná.
Neste dia, há 16 anos, foi morto com um tiro na cabeça o agricultor Sebastião Camargo Filho, pai de cinco filhos. O sem terra é uma das vítimas da ação milícias armadas no campo, com graves suspeitas de participação direta da União Democrática Ruralista – UDR, durante governo Jaime Lerner, 1995 a 2002. Outras 16 pessoas foram assassinadas neste período, sendo a maioria dos casos ligados a despejos ilegais em ocupações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.
Demorou, mas os principais acusados de participação no crime já foram julgados e condenados. Em novembro de 2013 o ruralista Marcos Menezes Prochet, ex-presidente da UDR, recebeu condenação de 15 anos e 9 meses de reclusão em regime inicialmente fechado como autor do disparo que vitimou Sebastião Camargo.
Em comparação com outros crimes cometidos contra trabalhadores sem terra, a justiça no caso da morte de Sebastião Camargo já deu alguns passos, mas ainda está longe de se concretizar. Apesar de já terem sido realizados quatro julgamentos e três condenações, as decisões não são definitivas, já que os recursos apresentados pelos advogados de defesas ainda não foram julgados.
Todos os condenados ainda estão em liberdade. Em 2011, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA responsabilizou o Estado brasileiro pelo crime. A organização deve novamente se pronunciar sobre o caso neste ano.
Para o advogado popular da Terra de Direitos que acompanha o caso, Fernando Prioste, é fundamental que o Tribunal de Justiça do Paraná julgue com celeridade os recursos e mantenha as decisões condenatórias. Ao longo dos anos de andamento do processo criminal já houve diversas tentativas de adiar e evitar o julgamento, especialmente por parte da defesa de Marcos Prochet.
“O recurso apresentado pelo réu Marcos Menezes Prochet contra da decisão que determinou que ele fosse julgado pelo júri popular foi extraviado por duas vezes enquanto tramitava no Tribunal de Justiça do Paraná. Ainda que os fatos tenham sido denunciados à corregedoria do Tribunal, nenhuma providência satisfatória foi tomada no caso”, afirma Prioste.
A responsabilização penal de envolvidos em crimes contra a vida, inseridos no contexto de luta por direitos, vai para além da restrição da liberdade dos culpados. Na avaliação de Fernando Prioste, efetivar a justiças em casos como o da morte de Sebastião Camargo significa “fortalecer os sujeitos da história no cotidiano da luta, desvelar o papel das instituições e das elites para a sociedade, e evidenciar as contradições deste apenas declarado estado democrático de direito”.
Outros envolvidos
O proprietário da fazenda Boa Sorte à época, Teissin Tina, e o dono da empresa de segurança privada, utilizada para recrutar os jagunços e executar o despejo ilegal, Osnir Sanches, também foram condenados pelo júri popular, em novembro de 2012. O fazendeiro recebeu pena de seis anos de prisão por homicídio simples. Já Sanches foi condenado a 13 anos de prisão por homicídio qualificado.
Augusto Barbosa da Costa, acusado de homicídio doloso no envolvimento no caso, havia sido absolvido pelo júri em fevereiro de 2013, mas em dezembro do mesmo ano o Tribunal de Justiça do Paraná determinou seja submetido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri de Curitiba.
O ultimo réu a ser julgado deve ser o ruralista Tarcísio Barbosa de Souza , presidente da Comissão Fundiária da Federação de Agricultura do Estado do Paraná (FAEP), ligada à Confederação Nacional da Agricultura (CNA). O ruralista é ex-tesoureiro da União Democrática Ruralista (UDR) e ex-vereador em Paranavaí pelo partido Democratas (DEM). A inclusão do integrante da FAEP ocorreu a partir de denúncia do Ministério Público do Paraná somente em julho de 2013, 15 anos após o crime.
Em dezembro de 2013 também foi condenado um dos principais acusados de organizar as milícias armadas no Paraná, o ex-coronel Waldir Copetti Neves. O caso batizado pela Polícia Federal como “Operação Março Branco”, deflagrada em 2005, que desmantelou o esquema de milícias armadas que atuavam em despejos violentos no estado.