6° Congresso Nacional do MST: “Lutar, construir Reforma Agrária Popular!”

MST 30 anos

MST
2014-02-10 19:00:00

 

6° Congresso Nacional do MST – “Lutar, construir Reforma Agrária Popular”

 

Entre os dias 10 a 14 de fevereiro de 2014 o MST realiza seu 6° Congresso Nacional, em Brasília. “Lutar, Construir Reforma Agrária Popular!” é o lema deste próximo Congresso, que representa a síntese das tarefas, desafios e do papel do Movimento nesse período histórico que se abre.

 

Cerca de 15 mil pessoas oriundos de 23 estados do Brasil mais o Distrito Federal, além de 700 a 1000 Crianças Sem Terrinha participarão da atividade. Estaremos acampados ao redor do ginásio Nilson Nelson, onde organizaremos nossa infraestrutura, como as cozinhas, banheiros e alojamentos.

 

Cada estado é responsável pela organicidade dos delegados dentro do Congresso, além de sua alimentação, com as 23 cozinhas montadas no espaço de acampamento e o alojamento. Contamos ainda com a presença de 200 convidados internacionais, advindos de movimentos sociais dos cinco continentes do mundo.

 

Nossa programação contemplará momentos de discussão e debate entre todos os delegados e delegadas, além de convidados externos. Teremos momentos de reflexão sobre a nossa organização interna, assim como debates e encaminhamentos sobre os rumos do MST para os próximos anos.

 

Em 2014 o MST completa 30 anos de organização e luta. Portanto, na quarta-feira (12/02) à noite será realizado uma festa em comemoração ao aniversário do MST, embora a celebração também ocorra no decorrer de todo ano nos assentamentos, acampamentos, escolas, centros de formação, entre outros, em que o MST está organizado.

 

Também teremos uma marcha na quarta-feira (12/02) à tarde e um ato político por Reforma Agrária na quinta-feira (13/02), com a participação de movimentos sociais, intelectuais, partidos políticos que representam a esquerda brasileira, além dos convidados internacionais.

 

Uma feira de produtos orgânicos e agroecológicos com produtos oriundos das áreas de assentamentos e acampamentos será instalada no local do evento, em que se pretende mostrar à sociedade os benefícios e resultados da Reforma Agrária quando bem conduzida.

 

O processo de preparação do 6° Congresso do MST está sendo realizado há dois anos, com o trabalho de base nos acampamentos e assentamentos que culminaram na proposta da Reforma Agrária Popular, como meta de luta diante da hegemonia do capital financeiro e a ofensiva do agronegócio brasileiro.

 

MST e seus 30 anos

 

Em 2014, o MST completa 30 anos de luta e organização, defendendo a bandeira da luta pela terra, Reforma Agrária e justiça social.

 

O MST surge oficialmente em janeiro de 1984, em Cascavel-Paraná, como um movimento camponês nacional. Como instrumento de pressão ao governo federal pela Reforma Agrária o Movimento adotou como ferramenta de luta a ocupação de latifúndios, beiras de estradas e prédios públicos, além de lutas massivas, como atos públicos, marchas, etc.

 

Ao completar 30 anos, o MST possui mais de 900 assentamentos que abrigam cerca de 350 mil famílias assentadas. Após serem assentadas as famílias permanecem organizadas no MST, pois a conquista da terra é apenas o primeiro passo para a realização da Reforma Agrária e de novas lutas para a conquista de direitos básicos.

 

Desde a sua fundação, o MST defende a democratização da terra e a implementação de uma política efetiva para o desenvolvimento dos assentamentos, buscando a reorganização da produção agrícola para que o país atenda as necessidades de toda a população brasileira.

 

A criação dos assentamentos tem gerado melhorias, principalmente sociais, econômicas, políticas, culturais, entre outras, nas diversas regiões do país em que são instalados. Os assentados produzem alimentos (arroz, feijão, leite, queijo, frutas, legumes, verduras, etc.) para o autoconsumo e o abastecimento do mercado local.

 

Em 30 anos, os assentados criaram mais de 100 cooperativas e mais de 1.900 associações nos assentamentos, procurando facilitar a organização coletiva do processo produtivo e a agroindustrialização do campo, para a geração de renda e a elevação da qualidade de vida dos camponeses.

Como exemplo, vale destacar o processo de produção do arroz orgânico no Rio Grande do Sul, onde são produzidas mais de 300 mil sacas, envolvendo 1600 famílias de 9 assentamentos da região.
 

Já em Santa Catarina, os Sem Terra têm como carro chefe a pecuária leiteira, produzindo mais de 9 milhões de litros por mês. No Paraná, por sua vez, três cooperativas regionais são responsáveis pela industrialização de 2 milhões de litros de leite por mês, além das 600 mil sacas de arroz.

 

Em geral, todos os assentamentos do MST produzem leite, mas se somarmos apenas a produção dos assentamentos que ainda estão em processo de organização de sua produção leiteira, temos aí mais de 5 milhões de litro dia.

 

Além dessas experiências, diversos outros cultivos já contam com o processo de agroindustrialização, seja ele de grande ou pequeno porte, como a pecuária de corte, a criação de pequenos animais, o cultivo de uva, coco, cacau, café, feijão, milho, soja, caju, mandioca, peixe. Além do cultivo de frutas locais e a realização de feiras livres a partir das hortas.

 

Quanto a educação, desde seu surgimento o Movimento acredita que todos os trabalhadores e trabalhadoras devem ter direito a uma educação pública e de qualidade. Nesse sentido, o MST alfabetizou mais de 50 mil trabalhadores e trabalhadoras.

 

Em 30 anos também foram formados mais de 8 mil educadores que atuam em escolas no campo. Foram construídas ainda aproximadamente 1200 escolas públicas nos assentamentos e acampamentos, em que estudam em torno de 200 mil crianças, adolescentes, jovens e adultos Sem Terra. Além disso, o Movimento também conquistou mais de 100 cursos de graduação em parceria com universidades por todo o Brasil.

 

Ao completar 30 anos o MST segue denunciando a paralisação da Reforma Agrária e exigindo o assentamento das mais de 90 mil famílias acampadas apenas da nossa organização (no Brasil, há 150 mil famílias acampadas), que vivem em situação precária e sofrem com a violência do latifúndio e do agronegócio.

 

O MST também exige um programa de desenvolvimento para os assentamentos, com investimentos públicos, crédito agrícola, habitação rural, educação, saneamento básico, hospital, etc.

 

 

Histórico

 

Em setembro de 1979, centenas de agricultores ocupam as granjas Macali e Brilhante, no Rio Grande do Sul. Em 1981, um novo acampamento surge no mesmo estado e próximo dessas áreas: a Encruzilhada Natalino, que se tornou símbolo da luta de resistência à ditadura militar,

agregando em torno de si a sociedade civil que exigia um regime democrático. Em todo

o país, novos focos de resistência à ditadura das armas e das terras surgiram: posseiros,

arrendatários, assalariados, meeiros, atingidos por barragens.

 

As ocupações de terra se tornaram ferramenta de expressão camponesa e de contestação do autoritarismo. Em 1984, os trabalhadores rurais que protagonizavam essas lutas pela

democracia da terra e da sociedade convergem em um encontro nacional, em Cascavel, no Paraná. Ali, decidem fundar um movimento camponês nacional, o MST, com três objetivos principais: lutar pela terra, lutar pela reforma agrária e lutar por mudanças sociais no país.

 

O país vivia um período de esperança com o primeiro presidente civil em 21 anos. O Plano Nacional da Reforma Agrária (PNRA) de 1985 previa dar aplicação rápida ao Estatuto da Terra e assentar 1,4 milhão de famílias. O plano, porém, fracassou.
 

Até 1993, quando foi regulamentada a Lei Agrária, não foi possível realizar desapropriações para fins de reforma agrária. Até 1989, apenas 82.690 famílias haviam sido assentadas, ou seja, 6% do total previsto pelo plano.
 

Em 1990, teve início o governo de Fernando Collor de Mello, que foi caracterizado por uma forte repressão. Foi durante o governo do seu vice, Itamar Franco, que foi aprovada a Lei Agrária (Lei 8.629), na qual as propriedades rurais foram reclassificadas com a regulamentação da Constituição. Com isso, não havia mais vieses jurídicos que impossibilitassem as desapropriações.

 

Sob o primeiro mandato do governo Fernando Henrique Cardoso (1994-1998), além do aumento do êxodo rural (provocado pela ação dos bancos contra pequenos agricultores endividados), o Brasil testemunhou também os dois maiores massacres da segunda metade do século XX: Corumbiara (1995), em Rondônia, e Eldorado dos Carajás (1996), no Pará.

 

No mesmo período, foram criadas duas medidas provisórias persecutórias a quem ocupava terras e implantado o Banco da Terra, uma política de crédito para compra de terras e criação de assentamentos em detrimento das desapropriações. Foram destruídas as políticas de crédito especial para a reforma agrária e assistência técnica criadas durante o governo José Sarney (1885-1990), prejudicando as famílias assentadas e intensificando o empobrecimento.
 

Embora FHC tenha propagandeado que realizou a maior reforma agrária da história do Brasil, seu governo nunca possuiu um projeto de reforma agrária real. Durante os dois mandatos, a maior parte dos assentamentos implantados foi resultado de ocupações de terra. Todavia, o número de assentamentos implantados foi diminuindo ano a ano.
 

Para garantir as metas da propaganda do governo, o Ministério do Desenvolvimento Agrário “clonou” assentamentos criados em governos anteriores e governos estaduais, registrando-os como assentamentos novos criados por FHC. Essa tática criou confusão tamanha que, ao final do seu mandato, nem mesmo o Incra conseguia afirmar quantos assentamentos foram realizados de fato.

 

Ao mesmo tempo em que a década de 90 vivenciou o abandono da agricultura familiar pelo Estado, com a retirada de subsídios e assistência técnica, além da subordinação da agricultura ao mercado internacional, foram realizadas importantes lutas camponesas, como a Marcha

Nacional por Emprego e Reforma Agrária, em 1997, quando 100 mil pessoas receberam o MST em Brasília.

 

Com a eleição do presidente Lula, em 2002, havia uma grande expectativa dos sem-terra por todo o país de que, enfim, aconteceria a reforma agrária. No entanto, ainda que o presidente Lula fosse um histórico defensor da reforma agrária, a situação da agricultura se agravou para os pequenos agricultores e assentados.
 

O modelo agrário-exportador se acentuou, dividindo nosso território em ‘sesmarias’ de monoculturas, como soja, cana-de-açúcar, milho e celulose, além da pecuária extensiva. A aquisição de terras por estrangeiros também atinge níveis nunca antes registrados. Chegado o governo Dilma, essa lógica em nada se modificou.

 

Incentivado pelo governo, o agronegócio tem como lógica a exploração da terra, dos recursos naturais e do trabalho, por meio do financiamento público. Não produz alimentos para o povo brasileiro, deteriora o ambiente, gera poucos empregos e utiliza grandes extensões de terra para a monocultura de exportação, baseada em baixos salários, no uso intensivo de agrotóxicos e de sementes transgênicas.

 

Num contexto de crise econômica mundial, não tem condições de produzir alimentos para a população ou criar postos de trabalho para os agricultores. Mesmo sem vivenciar um verdadeiro processo de reforma agrária, os 30 anos de luta do MST não são em vão. Pelo

contrário. Em 23 estados e no Distrito Federal, organizamos mais de 1,5 milhão de pessoas, que vivem acampadas e assentadas. Grande parte das pessoas assentadas, que se organiza em torno de cooperativas e associações coletivas e semi-coletivas, tem melhores condições de

vida do que antes de conquistar a terra.

 

A elevação da renda das famílias é realidade nos assentamentos, principalmente onde as agroindústrias estão desenvolvidas. Uma pesquisa da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) aponta que a média de renda nos assentamentos é de 3,7 salários mínimos mensais por família, e onde as agroindústrias estão implantadas essa média sobe para 5,6 salários mensais por família. Uma das principais conquistas do MST é manter o tema da reforma agrária na pauta de discussão da sociedade e do Estado. No campo social, os resultados nas áreas conquistadas são significativos: foi praticamente eliminada a mortalidade infantil nos assentamentos, e não existe mais a fome.

 

É incomparável a produtividade, número de empregos e instalação de infra-estrutura de uma área antes e depois de se transformar em assentamento. Acima de tudo, foi conquistada a dignidade da cidadania, porque quando a cerca do latifúndio é rompida, também se rompe a cerca do “voto de curral”, do coronelismo e da dominação política.

 

Além dessas conquistas, o MST continua defendendo a democratização da terra e a implementação de uma política efetiva para o desenvolvimento dos assentamentos, buscando reorganizar a produção agrícola para que o país atenda as necessidades da população. Com isso, romperemos barreiras importantes para o desenvolvimento nacional e para a eliminação das desigualdades sociais no Brasil.

 

 

Situação atual da Reforma Agrária

 

 

Nos últimos anos temos vivenciado uma completa paralisação da Reforma Agrária. Em 2013, por exemplo, foram assentadas apenas 7.274 famílias com a desapropriação de 100 áreas. O Incra diz ter assentado 30 mil famílias em 2013. Entretanto, esses números estão inflados, pois eles incluem projetos de colonização em áreas públicas na Amazônia.

 

Para se ter uma idéia, ao longo desses três anos do governo Dilma, foram desapropriadas apenas 176 áreas. Ainda que não fosse suficiente, só o último ano do governo Lula teve 158 decretos de desapropriação. E isso não se deve a uma falsa argumentação de que não há mais demanda por terra, já que existem 150 mil famílias acampadas em todo o Brasil, segundo dados do próprio Incra.

 

No entanto, alguns fatores explicam o porquê da paralisação da Reforma Agrária e a opção política do governo em optar pelo agronegócio:

 

- superávit primário: As grandes exportações de commodities promovidas por esse setor permitem ao governo a manutenção da política de geração sistemática de superávit primário, garantindo o destino de recursos orçamentários para o setor financeiro, como o pagamento de juros e serviços da dívida pública.

 

- Bancada Ruralista: o governo está completamente refém desse segmento. Trata-se da maior frente no Congresso Nacional. São 162 deputados e 11 senadores, sem contar a legião de adeptos de última hora. Por mais absurda que sejam as pautas desse setor, eles estão conseguindo sair vitoriosos em todas, mesmo em propostas inconstitucionais: a desintegração do Código Florestal, alteração da PEC do Trabalho Escravo, o retrocesso sobre a legislação referente à demarcação de terras indígenas, a criação de uma comissão especial para liberar com maior facilidade novos agrotóxicos – ignorando o trabalho de avaliação da Anvisa e do Ibama - e a liberação de novas sementes transgênicas. Nenhuma dessas propostas é de interesse da sociedade brasileira.

 

- avanço do capital sobre a agricultura: nos últimos anos houve uma avalanche do grande capital em se apropriar dos recursos naturais. Com isso, eles passaram a disputar as terras, que antes eram improdutivas, com os Sem Terra. Esse avanço se desencadeou num processo especulativo da terra, encarecendo cada vez mais as políticas de desapropriação.

Todavia, é falso a ideia de que a questão agrária no Brasil já está resolvida e com isso a Reforma Agrária já não é mais necessária. Para além dos números de famílias que ainda permanecem acampadas (150 mil), há ainda 175 milhões de hectares de terras improdutivas em todo o país, segundo dados do Incra.

 

A concentração da terra apenas aumentou nos últimos anos. Os grandes e médios proprietários que representam o agronegócio controlam 85% de toda terra destinada à agricultura no país.

 

Como demonstra o Incra, percebe-se que entre 2003 e 2010 as grandes propriedades passaram de 95 mil unidades para 127 mil. E a área controlada por elas saltou de 182 milhões de hectares para 265 milhões, em apenas 8 anos.

 

Registros do órgão federal demonstra que há 5,3 milhões de imóveis rurais que juntos somam 587,1 milhões de hectares de terras. Destes 587 milhões de hectares, 330,8 milhões estão nas mãos de 131 mil proprietários (131 mil de 5,3 milhões é menos de 5%).

 

Somado a isso, o modelo do agronegócio traz consigo inúmeras contradições e conseqüências graves à toda sociedade brasileira. nesse sentido, a questão central não se trata apenas da capacidade de desapropriação de novas áreas. Trata-se sobretudo da disputa pelo modelo agrícola para o país.    

 

Por outro lado, se seguirmos a linha do governo, são recorrentes quando dizem que a atual política é priorizar o desenvolvimento dos assentamentos já existentes, e que as novas desapropriações sejam realizadas com estudos prévios de viabilidade.

 

É evidente que é extremamente necessário desenvolver os assentamentos, mas essa política não pode excluir a desapropriações de novas áreas, uma vez que ainda há mais de 150 mil famílias acampadas em todo o país.

 

Além disso, tais políticas de qualificação dos assentamentos não estão sendo realizadas de fato. Em 2013, por exemplo, foram autorizados R$ 353 milhões para a assistência técnica e extensão para a reforma agrária, mas foram usados apenas R$ 58 milhões.
 

Para as ações de ‘desenvolvimento dos assentamentos’ foram usados R$ 62 milhões dos R$ 375 milhões autorizados. E a educação no campo consumiu R$ 12.6 milhões dos R$ 30.6 milhões previstos.

 

 

 

Reforma Agrária Popular

 

 

A chamada Reforma Agrária Popular, defendida pelo MST, busca responder às demandas da conjuntura atual. Até então, trabalhava-se sob a perspectiva da Reforma Agrária Clássica, que consistia sobretudo na democratização da terra para um desenvolvimento industrial interno, realizada pela própria burguesia industrial de cada país, aos moldes do que fizeram a maioria dos países do hemisfério norte entre os séculos XIX e XX.

Entretanto, essa possibilidade passou, já que o grande capital já se apropriou do modelo de produção agrícola, de modo que para ele não é mais interessante nem necessário realizar a Reforma Agrária. Quanto a classe dominante, a burguesia industrial deixou de ser a parcela hegemônica da classe dominante, sendo esta constituída agora pelo capital financeiro e pelas grandes empresas transnacionais.   

 

Nesse sentido e em contrapartida, surge a Reforma Agrária Popular, um programa agrário que extrapola a reivindicação de condições e medidas corporativas apenas para os camponeses. Apresenta-se, acima de tudo, como uma alternativa aos problemas estruturais do campo e de toda a sociedade brasileira, visando transformar a agricultura e colocá-la a serviço de toda população.

 

Não se trata, entretanto, de uma cartilha a ser seguida, mas uma ferramenta que orienta a militância e dialoga com a sociedade sobre o que o Movimento quer para o Brasil, sabendo que sua execução não depende apenas de uma elaboração teórica, mas de um longo processo de acúmulo de forças de todos os trabalhadores e trabalhadoras do Brasil.

 

Para além da concepção de democratização do acesso à terra, o MST, através da luta por uma Reforma Agrária Popular, tem avançado no confronto ao modelo do Capital no campo em outras frentes: na resignificação do trato dado pela sociedade à natureza, hoje mercantilizada; no estabelecimento de novas relações de produção e assumindo o desafio da transição para uma nova matriz tecnológica no campo, a agroecologia; e na disputa das instituições do Estado para que estas reorientem sua atuação, que hoje apenas privilegia o agronegócio, em detrimento da agricultura camponesa.

 

Em suma, o programa de Reforma Agrária Popular prevê alguns elementos básicos em relação ao campo:

 

- Priorizar a produção de alimentos ao povo brasileiro, e não a produção de commodities voltadas exclusivamente à exportação;

 

- mudar a matriz tecnológica da produção de alimentos, ao implementar a agroecologia. Ou seja, produzir alimentos saudáveis à população, sem utilização de agrotóxicos e em harmonia com o meio ambiente, preservando a biodiversidade, sem destruir as vegetações locais e sem poluir a terra, a água, rios e lençóis freáticos;

 

- desenvolver agroindústrias no campo. Isso permite agregar valor aos produtos, gerar mais renda aos camponeses de modo que essa renda fique aos camponeses e não às grandes empresas transnacionais, possibilita criar novos postos trabalho, sobretudo à juventude, garantindo sua permanência no campo;

 

- proporcionar cultura, lazer, infraestrutura e educação no campo

 

Em síntese, os objetivos gerais da nossa proposta de Reforma Agrária Popular são: eliminar a pobreza no meio rural; combater a desigualdade social e a degradação da natureza, que tem suas raízes na estrutura da propriedade e de produção do campo; garantir condições de melhoria de vida para todas as pessoas e oportunidades de trabalho, renda, educação, cultura e lazer, estimulando a permanência no meio rural, em especial a juventude; garantir condições de participação igualitária das mulheres que vivem no campo; preservar a biodiversidade vegetal, animal e cultural existente em todos os biomas.

 

 

 

Agronegócio

 

O atual modelo hegemônico no campo brasileiro é o que ficou conhecido como agronegócio. Seus altos índices de exportação, permitindo uma balança comercial favorável ao Brasil, assim como representa 22% do PIB brasileiro, acabam muitas vezes por iludir e esconder as conseqüências que esse modelo gera à sociedade brasileira.

 

Seu modelo de produção agrícola se baseia na produção de cinco produtos básicos voltados à exportação: cana, soja, milho, pecuária extensiva e eucalipto para celulose. 80% das terras utilizadas por esse setor produzem esses cultivos.

 

Ao priorizar a produção de commodities, muitas áreas que antes eram voltadas à produção de alimentos básicos para o povo brasileiro vão sendo engolidas por esses produtos. Para se ter uma ideia, de 1990 para 2011, as áreas plantadas com alimentos básicos como o arroz, feijão, mandioca e trigo declinaram, respectivamente, 31%, 26%, 11% e 35%. Enquanti isso, as de produtos nobres do agronegócio exportador como a cana e soja aumentaram 122% e 107%. Agora, temos que importar arroz e feijão da China, por exemplo.

 

Outro ponto se dá no enorme uso de agrotóxicos utilizado pelo setor. Desde 2009 o Brasil é o maior consumidor de venenos agrícolas do mundo. Consumimos 20% de todo agrotóxico produzido no mundo, o que representa 5,2 litro de veneno à cada habitante brasileiro.

 

Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa, na safra 2010/2011 o consumo somado de herbicidas, inseticidas e fungicidas, entre outros, atingiu 936 mil toneladas e movimentou 8,5 bilhões de dólares no país. Nos últimos dez anos, revela a Anvisa, o mercado brasileiro de agrotóxicos cresceu 190%, ritmo muito mais acentuado do que o registrado pelo mercado mundial (93%) no mesmo período.

 

Atrelado aos agrotóxicos estão os alimentos transgênicos. Chegaram com a promessa de aumentar de facilitar e aumentar a produção, além de diminuir o uso desses produtos químicos. Entretanto, passado 10 anos dos alimentos transgênicos, os resultados são completamente opostos. Primeiro os agricultores ficaram reféns das poucas empresas transnacionais que atuam na área, tendo que pagar royalties a elas e ficar submetido a elas. Segundo que a produção tampouco aumentou: a produtividade da soja no Brasil entre as safras de 1992/2003 cresceu 31%, enquanto a safra 2003/2013 (desde quando começaram os transgênicos) cresceu apenas 4%.

 

Em relação aos agrotóxicos não foi diferente:  desde a implantação desse cultivo aqui no Brasil as importações de agrotóxicos saltaram de 259 milhões de dólares para 2.2 bilhões de dólares em 2012”, indo por goela abaixo o papo de que os transgênicos diminuem a necessidade dos agrotóxicos.

 

Diversos estudos da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) junto ao Inca (Instituto Nacional do Câncer) demonstraram o quanto esses produtos causam mal à saúde, que vai desde a contaminação do leite materno ao enorme crescimento de casos de câncer.

 

Para além desses aspectos há questão ambiental, pois esse modelo de monocultura associado com os agrotóxicos destrói a biodiversidade, contamina as águas, rios, aqüíferos e lençóis freáticos e acaba com a riqueza nutricional do solo.

 

No que tange fatores sociais, o agronegócio gera poucos empregos no meio rural e expulsa milhares de famílias camponesas de suas terras. Essas acabam indo para as cidades, inflando cada vez mais os grandes centros urbanos, que já carecem de infraestrutura adequada para suportar a demanda que já existe. Segundo os dados do último senso agrário, a agricultura familiar é responsável por 74% da mão de obra ocupada no campo, enquanto o agronegócio absorve apenas os 26% restante.

 

Somado a tudo isso, as 50 maiores empresas agroindustriais controlam praticamente toda a cadeia produtiva desse setor, desde a produção de sementes a comercialização, controlando o que vamos comer, por quanto e como. Essa lógica nos deixa completamente submisso aos interesses dessas empresas, sem que tenhamos o mínimo de controle sobre nossa soberania nacional.

 

Brasília, fevereiro 2014

 

- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: documento de subsídio à imprensa.