Instabilidade e conflitos internos são parte de projeto de dominação dos EUA

2007-01-23 00:00:00

Tanto Europa quanto Estados Unidos têm sistematicamente minado a estabilidade do continente por meio de intervenções militares diretas ou guerras civis e conflitos internos nos Estados insuflados estrategicamente, avaliam ativistas. Iraque é exemplo maior.
NAIROBI, QUÊNIA - Desde as lutas africanas de independência das metrópoles européias, há cerca de 50 anos, conflitos e guerras civis têm sistematicamente assolado a maior parte dos Estados do continente num processo de destruição continuada de suas estruturas econômicas, sociais e políticas. Exemplos conhecidos são Angola, Ruanda, Congo, Somália, Serra Leoa, Costa do Marfim etc. Inserem-se neste contexto também todo o Oriente Médio, grande parte da África do Norte e, atualmente, o Afeganistão e o Iraque.

Avaliar esta situação de conflitos, suas origens e sua características tem
sido, neste Fórum Social Mundial de Nairobi, uma temática prioritária. O
objetivo é desmistificar um dos principais instrumentos de dominação dos
poderes econômicos e militares dos EUA e da Europa no continente: a
estigmatização da África como região de guerras internas insolúveis em função das diferenças políticas de grupos étnicos e religiosos na disputa pelo poder, necessitada de tutela e dependente de intervenção internacional.

Segundo o cientista político egípcio Samir Aminm, um dos principais pensadores da esquerda africana, a estratégia de evitar a constituição de Estados fortes e autônomos no continente para facilitar o domínio dos recursos naturais – principalmente minérios e petróleo – foi adotada por americanos e europeus logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Estrategicamente, foi criado o Estado de Israel como mecanismo de fragmentação da região em países pequenos e fracos. Conseqüentemente, não existiria no continente nenhum país em franco desenvolvimento como na América Latina, por exemplo.

Mais recentemente, os casos das ocupações do Afeganistão e do Iraque pelos EUA poderiam ser considerados emblemáticos desta estratégia de fragmentação e enfraquecimento, caracterizada pela destruição da unidade política interna dos países africanos que marcou as lutas de independência pós-Segunda Guerra. Na maioria das vezes, o processo se dá através do fomento de conflitos étnicos e religiosos que têm descambado, na maioria dos casos, para guerras civis.

Segundo o jornalista iraquiano Kwi Azzawi, editor de um dos principais jornais de Beirute, a estratégia americana no Iraque desde a ocupação tem sido empoderar os diferentes grupos e estimular as disputas de poder através de conflitos étnicos até então pouco significativos.

Segundo Azzawi, atualmente existem mais de 50 agrupamentos militares
distintos, apesar de o conflito central, financiado e apoiado não só pelos EUA como também pelos países vizinhos (Jordânia, Iran e Arábia Saudita), concentrar-se nas disputas entre xiitas, sunitas e curdos.

O governo central, também dividido em facções, passou a hastear a bandeira da segurança pública e descartou qualquer investimento ou esforço em assegurar os direitos humanos e sociais da população, o que tem impelido a sociedade civil, encurralada pelas disputas e pela violência, a optar por outros lados e alternativas. Assim, partidários de Saddam Hussein, assassinado no final de 2006, e da Al Qaeda, têm se fortalecido.

Na mesma direção, Ismail Dawoud, coordenador da organização iraquiana Iraq Occupation Focus, avalia que o próprio processo constitucional
institucionalizou as divisões étnicas e religiosas após um atropelo que, ao
não permitir um processo de transição entre o regime de ocupação e a
instituição do novo governo iraquiano, praticamente impossibilitou a
reorganização do país.

Ainda segundo Dawoud, a repressão americana e governamental, por um lado, e as divisões internas, por outro, têm desarticulado as forças de resistência, levando-as cada vez mais a se ligarem a grupos fundamentalistas.

De acordo com Paola Gasparoli, membro da ONG italiana “Uma Ponte Para” e voluntária pacifista por longo tempo no Iraque, a fragmentação das lutas de resistência contra a ocupação e a crescente predominância do poder
fundamentalista, que trouxe consigo uma violência descontrolada de ataques à população e seqüestros de ativistas estrangeiros, têm levado a um movimento de retirada da solidariedade internacional. Esta retirada do campo de batalha por parte de testemunhas, ao mesmo tempo em que favorece as forças de ocupação, tem criado entre os iraquianos um sentimento de abandono e isolamento.

Compreender esta realidade e enxergar a África por outra perspectiva, propõe Gasparoli, teria que ser um dos papéis fundamentais do FSM. Relembrando as marchas de 2002 e 2003 contra a guerra, idealizadas pelo Fórum, que reuniram milhões de pessoas no mundo todo em um mesmo dia e por uma mesma causa, a pacifista americana Phyllis Bennis, membro da rede de movimentos anti-guerra United for Peace and Justice, reforça a importância da solidariedade internacional e da opinião pública na busca de soluções para os conflitos.

“Logo após a primeira marcha de milhões contra a guerra, o New York Times, porta-voz oficial do governo americano, declarou que existem duas super-potencias no mundo: os EUA e a opinião pública. Cabe a nós não perder este posto”, desafia Bennis.

Fonte:
http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia...