Cinco anos de ocupação militar no Haiti; qual é a estratégia?
No dia 01 de junho do ano de 2004 após uma reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas que violava uma vez mais as regras do direito internacional, iniciava oficialmente uma nova ocupação militar no Haiti. Coincidentemente, o Conselho encarregou as forças armadas brasileiras de coordenar esta ocupação.
Para refletir sobre este episódio que cumpre cinco anos neste mês, devemos retornar pelo menos à história recente do país e suas crises estruturais. Farei isso como introdução, e como conclusão, abordarei as questões conjunturais.
As sucessivas crises
A sociedade haitiana vive três graves crises estruturais. A crise ambiental, a crise agrária e a crise política.
O meio rural haitiano, como todo o país, é muito pobre. 65% da população de aproximadamente nove milhões é camponesa e vive extremas dificuldades. Primeiramente, o meio rural vivencia o problema da terra. A maioria dos camponeses tem pouquíssima terra e na maioria dos casos não possuem nenhuma qualidade de titulação e regra para seu uso. Há, portanto, um natural desinteresse pelo uso e pela conservação da mesma. Por outro lado, a crise ambiental se agrava cada vez mais devido ao uso intensivo de tecnologias nocivas ao meio ambiente e ao consumo intensivo de carvão que é utilizado em 70% das cozinhas do país. Em todo o território restam apenas 3% de cobertura florestal nativa. Além disso, o meio rural vive uma crise econômica muito grave. As políticas neoliberais e o livre comércio estão destruindo a capacidade produtiva do país. Em 1970 o país produzia praticamente 90% de sua demanda alimentar. Atualmente importa-se cerca de 55% de todos os gêneros alimentícios consumidos. Vale dizer, por último, que a instabilidade política no Haiti não é algo recente. A explicação básica para esse fenômeno está na história contemporânea do país, para não retomar à época da independência de 1804 e a guerra contra o exército de Napoleão. Vamos olhar rapidamente para os últimos cem anos. De 1915 a 1934 uma ocupação militar norte americana gerou enormes batalhas de resistência contra o estrangeiro invasor. De 1957 a 1986 uma ditadura militar absolutamente comandada pelos Estados Unidos calou as vozes haitianas. O sobrenome “Duvalier” (Jean Jacques Duvalier e seu filho Jean Claud Duvalier governaram Haiti nesse período) não podia nem se quer ser pronunciado em público. O temor era enorme. 30 mil comunistas foram mortos. 10 mil por ano foi a média. Em setembro de 1991, após a queda do legítimo presidente eleito por um forte movimento de massas, Jean Bertran Aristides, um golpe militar violentíssimo efetivado por militares dos Estados Unidos calou o país por mais 3 anos. Em 1994 uma segunda ocupação militar norte americana se instalou no país. Fala-se em quatro mil mortos mais 12 mil militantes sociais induzidos a migrarem para os Estados Unidos.
A Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti
A última ocupação militar efetivada a partir do golpe de Estado que derrubou uma vez mais o governo de Jean Bertran Aristides é comandada pelo Brasil. A Missão das Nações Unidas para a estabilização do Haiti MINUSTAH, é formada por 36 países. No entanto a presença massiva, na formação do contingente de aproximadamente sete mil militares, é latino americana.
Teoricamente a MINUSTAH se baseia em quatro pilares;
Estabilizar o país
Pacificar e desarmar grupos guerrilheiros e rebeldes
Promover eleições livres e informadas
Formar o desenvolvimento institucional e econômico do Haiti
Nos primeiros dois anos de ocupação militar a MINUSTAH realmente se confrontou com grupos armados e de seqüestradores que se escondiam em bairros pobres e representavam de fato uma ameaça à sociedade. Esses grupos foram eliminados ou presos. A MINUSTAH cumpria um de seus papéis. Estabilizar o país frente às ameaças das “gangues”. Lamentavelmente a MINUSTAH não se importou em eliminar ou prender os chefes do grupo para militar que patrocinado pela CIA iniciou o processo de desestabilização do governo Aristides no final de 2003 e inicio de 2004.
Depois de constatarmos todos os problemas sociais que se estabelecem sobre a estrutura da sociedade haitiana e refletidos no cotidiano deste país, percebemos que as Nações Unidas através da MINUSTAH cumpre, neste país, um papel vergonhoso. A ocupação militar não ajuda resolver os verdadeiros problemas da sociedade. A grande pergunta que devemos fazer aos governos dos países que mantêm seus militares nessa ocupação deve ser; Que interesses a MINUSTAH realmente defende e o que tem sido feito para ajudar o Haiti a sair de suas crises estruturais?
As últimas notícias do “Front”
No dia cinco de abril a câmara de deputados aprovou o aumento do salário mínimo de dois para cinco dólares diários (O Haiti tem um dos salários mínimos mais baixos do mundo). Em seguida, no dia cinco de maio, o senado ratificou a mesma lei procedente do congresso. O setor empresário fez uma série manobras convencendo o presidente Rene Garcia Preval que se recusou em assinar a lei já aprovada pelas duas câmaras legislativas.
No inicio do mês de junho o setor estudantil e outras organizações sindicais iniciaram uma série de manifestações exigindo a assinatura da lei. As manifestações estavam sendo diárias e as reivindicações absolutamente justas. A partir do dia 04 de junho iniciou-se um intensivo processo de repressão as manifestações. Uma morte, dezenas de feridos, dezenas de presos. Quem estava efetivando as ações militares? A Polícia Nacional Haitiana e sua patrocinadora “Força de Paz da ONU” que se chama MINUSTAH.
A MINUSTAH reprimiu as legítimas manifestações usando armamento e veículos de guerra. Com estas ações a MINUSTAH desrespeita uma lei já aprovada pelas duas instâncias parlamentares e compartilha com aqueles que se recusam a aumentar o salário mínimo de um dos países mais pobres do planeta.
No dia 18 de junho de 2009 após a morte de um padre dirigente de um importante partido político, centenas de pessoas participavam de seu enterro. Como é de prática aqui no Haiti, um velório de uma pessoa importante sempre é acompanhado de uma natural manifestação política. Inexplicavelmente militares da MINUSTAH dispararam sobre o cortejo assassinando uma pessoa e ferindo várias outras.
A MINUSTAH promove um verdadeiro espetáculo negativo no interior deste país. Precisamos destes espetáculos? Os governos dos países que enviaram seus militares para a “força de paz” conhecem o espetáculo que seus soldados promovem no país ocupado?
Que tipo de integração necessitamos?
Faz muito tempo que a Via Campesina pretende desenvolver um programa de cooperação a través do envio de sementes e ferramentas para os camponeses haitianos. Os entraves da burocracia brasileira muitas vezes não nos dão acesso a transporte ou a recursos para pagar os custos de produção destas sementes impossibilitando o desenvolvimento de uma cooperação solidária, justa, urgente e necessária.
O Haiti deverá ser ocupado por professores, por agrônomos comprometidos, por navios de combustível, por médicos, por escolas, por viveiros de reflorestação... Lamentavelmente até o momento o Brasil e nenhum outro país “ocupante” há demonstrado exemplos exitosos em termos de reconstrução estrutural deste país. Necessitamos uma mudança na estratégia de intervenção internacional. Está, deverá ir ao encontro das necessidades efetivas da população. Sigamos os exemplos que Cuba, Venezuela e a Via Campesina estão dando em matéria de solidariedade e reconstrução que estaremos no caminho correto.
Jose Luis Patrola
Professor de história, membro do MST e coordenador da brigada de cooperação entre a Via Campesina Brasil e organizações camponesas haitianas
Haiti, junho de 2009