Na continuidade do Encontro Nacional de Mulheres em Luta por Soberania Alimentar e Energética, na tarde de sexta-feira foram realizadas seis mesas aprofundando os principais temas que, pela voz das mulheres, fortalece a consciência de construir uma n

Mulheres organizadas constróem alternativas ao modelo capitalista de desenvolvimento

2008-09-01 00:00:00

Na continuidade do Encontro Nacional de Mulheres em Luta por Soberania Alimentar e Energética, na tarde de sexta-feira foram realizadas seis mesas aprofundando os principais temas que, pela voz das mulheres, fortalece a consciência de construir uma nova sociedade e apontar para alternativas.
Em síntese, o debate das mesas é o que segue.
As ameaças do monocultivo e a falsa solução da agroenergia
As conseqüências e o desafio de romper com o modelo de sociedade que determina a produção de energia no mundo foi o que norteou a mesa. Camila Moreno, da Terra de Direitos, apresentou a questão do petróleo como central na discussão. “A agroenergia surge como alternativa em um momento em que o petróleo aponta para acabar. Em que há uma disputa tensa pelo petróleo que ainda resta; e em que a agroenergia busca solucionar um problema particular e não global”.
Para Nívia Regina, do MST, é importante ressaltar a aliança entre as empresas petroleiras, as transnacionais e empresas automobilísticas para manter este padrão de consumo dos países centrais. “Esta demanda internacional por agrocombustíveis, especialmente o etanol, traz seríssimas conseqüências, entre elas a expropriação de terras, a desnacionalização de territórios e a superexploração do trabalho, e que também está diretamente relacionada à crise dos alimentos”.
Para finalizar, Ana Isabel Ramalho, do MPA, afirmou que é importante envolver a população urbana na luta e no debate sobre agroenergia. “Toda esta questão vai além de qualquer problema individual, seja enquanto camponesa ou enquanto trabalhadora urbana. Isso deve convergir na nossa estratégia enquanto classe trabalhadora”, ressaltou.
Privatização da água e o modelo energético brasileiro
A associação da concentração de terra e água gera mais concentração e poder. Para Valquíria Lima, da Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA), o solo, assim como a água, não é um recurso renovável. A cada ano, cerca de 6 mil toneladas de solo são desperdiçadas por processos de erosão causados por prática inadequadas.
Isso se torna mais grave quando, no mundo, apenas 1,5 bilhão de hectares são de terras agricultáveis. Enquanto essa área tende a reduzir, a população mundial, hoje de 6,5 bilhões de pessoas, tende a crescer, podendo chegar a 9 bilhões no ano de 2050.
A água utilizada e não contabilizada nos custos de produção de alimentos para exportação  e biocombustíveis é, segundo Sônia Loschi, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o que se pode chamar de água virtual. Toda essa mercantilização da água esta baseada no entendimento de que esse é um bem público com valor econômico, a serviço do capital. É a privatização da água. Para se ter uma idéia, para cada quilo de carne de boi produzida do País, são necessários de 13 a 20 mil litros de água.
Dados apresentados mostram que do total de água doce no mundo, 12% está no Brasil. Aqui, essa água é mal distribuída, sendo 70% destinados à agricultura e 20% à indústria. Daiane Homm, do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), denuncia que a utilização dessa água se dá, na agricultura, pelo agronegócio, e na indústria, por apenas 666 empresas eletroinensivas. A água tem o poder de gerar muita riqueza, por isso é alvo dos capitalistas, destaca Daiane.
Padrões de consumo no campo e na cidade
Por trás de cada produto, há um enorme uso de água e energia. Além disso, são criadas necessidades falsas, que incentivam um consumo desenfreado, que pode esgotar os recursos do planeta. “Nosso papel começa antes mesmo de comprar. Precisamos questionar se precisamos daquilo”, aponta Maria de Lurde Lima da Fonseca, do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Energia (Sindieletro). Ela reforça que 18% na energia gerada no Brasil é desperdiçada, exemplificando a necessidade de se organizar melhor o uso do potencial energético.
Para Maria de Lurde, para mudar os padrões de consumo, é necessário uma re-educação, uma organização dos consumidores, mudanças no padrão alimentar. Rachel Moreno, do Observatório da Mulher, reforça a importância de se consumir menos, lembrando dos quatro “R” – Repensar, Reduzir, Reutilizar e Reciclar. Mas aponta que para além disso, é importante o incentivo e o consumo da produção solidária, e o controle social sobre a produção. E nisso as mulheres têm um papel fundamental, já que são responsáveis por 80% das decisões de consumo.
Rachel aponta ainda a importância de superar o jogo da publicidade, que tenta colocar o consumo como solução para os problemas. “As pessoas não compram o produto, compram um modelo de felicidade. Para cada segmento, são oferecidos valores e modelos. Mas a felicidade mesmo nunca vem, e fica sendo eternamente perseguida pelo consumo desenfreado”.
Eliane de Moura Martins, do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD) concorda com a relevância de se repensar as formas de consumo. Mas reforça que o avanço do capital coloca para os trabalhadores um ritmo intenso de superexploração. “Nunca trabalhamos tanto. O capitalismo tenta nos resumir ao máximo do individualismo, sugando todo nosso tempo. A apropriação da riqueza é feita com muita violência”. Portanto, a saída colocada por ela é a luta organizada da classe trabalhadora.
A indústria da alimentação e a relação com a saúde
Para garantir uma maior durabilidade, os alimentos tiveram que passar por uma série de transformações no processo de industrialização, atendendo os interesses das transnacionais. Esse foi o elemento central debatido desta mesa, composta por Geni Dalla Rosa, do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Alimentação, Rosemeri Krefta, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) e Luciana Maria Piovesan, do MMC.
Segundo Luciana, a padronização da comida é para matar a vida: “Todo alimento verdadeiro é fruto da natureza, mas é transformado pela energia do ser humano para acumulação do capitalismo. Devemos lutar para resgatar o modo camponês de produção dos alimentos para salvar a humanidade”.
A produção de energia e o avanço do controle da biodiversidade
O monopólio das grandes empresas capitalistas em detrimento da biodiversidade foi o destaque da mesa temática, formada pela integrante do GT Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Paula Almeida; Marijane Lisboa, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental; e Gilvania Ferreira, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
A importância da biodiversidade e das mulheres se apropriarem dela foi destacada por Paula Almeida, que citou o exemplo de como elas guardam e preservam as sementes crioulas, também conhecidas como sementes da paixão. “Hoje a diversidade das sementes está nas mãos da população tradicional, porém o conhecimento acerca disso não tem proteção alguma”. Paula também destacou os riscos que as sementes tradicionais vêm correndo com o os transgênicos.
Sobre esse tema especificamente, Marijane Lisboa ressaltou que existem vários mitos acerca dos transgênicos, a exemplo de que esse tipo de plantio necessita de menos agrotóxico; que é mais produtivo; e que é o único tipo de produção capaz de acabar com a fome mundial. “Nada disso é verdade. Quando vocês ouvirem isso, podem pedir para que provem. Até hoje ninguém conseguiu provar nada disso”, afirmou.
Para Gilvania Ferreira, o segredo para a preservação da biodiversidade está “no domínio sobre as nossas riquezas, a exemplo das mulheres que lutam pelas áreas de babaçus no Maranhão. Precisamos fazer com que todas as mulheres possam ter o controle da biodiversidade, conhecendo e se apropriando de toda a riqueza da terra”.
Mudanças Climáticas e Injustiça Ambiental
Cerca de 40 mulheres discutiram as mudanças climáticas vividas em todo o mundo e suas injustas conseqüências para os países do hemisfério sul. Julianna Malerba, da FASE, e Lúcia Ortiz, da Amigos da Terra Brasil, retomaram a história da luta ambientalista e apresentaram a questão da injustiça ambiental: os países do norte são os maiores responsáveis pela emissão de gases poluidores e os países do sul estão na região mais afetada pelas mudanças climáticas. Cecília Bernardi, da AREDE, apresentou a catástrofe vivida na região de Missões, Rio Grande do Sul, em que estiagens e fortes chuvas de granizo devastaram várias cidades da região.
O modelo capitalista de desenvolvimento, na busca incessante pelo lucro, incentiva a produção de gases nocivos, a devastação dos biomas para a plantação de monoculturas, a utilização de matrizes energéticas poluentes, entre outras atividades que atreladas ao alto índice de consumo, praticado nos países do norte, geram o superaquecimento global e as diversas mudanças climáticas que atingem todo mundo e, principalmente, os países do sul. Algumas convenções mundiais e acordos foram feitos, mas os países do norte se negam a reduzir a emissão de gases e, quando o fazem, é através da transferência das tecnologias de produção poluentes para os países do sul. “Eles ficaram com a ponta da industrialização e nos deixaram com os projetos que demandam mais água, mais energia, mais recursos naturais”, denuncia Lúcia Ortiz.