Fala de abertura do 5° Congresso

2007-06-21 00:00:00

Boa noite companheiras e companheiros,

Em nome da direção nacional e das famílias do MST, saúdo os representantes das entidades que compõem a mesa do nosso V Congresso. A presença de cada um de vocês é fundamental para a luta dos trabalhadores no Brasil.

Cumprimento os representantes de todas as entidades e organizações convidadas, a delegação internacional integrada por representantes de mais de 28 países, em especial as organizações da Via Campesina dos diversos continentes, as amigas e amigos do MST e os parlamentares aqui presentes: senadores, deputados, prefeitos, vereadores.

Cumprimento respeitosamente a nossa militância pela garra, dedicação e responsabilidade na preparação do nosso Congresso junto às bases, nos estados e aqui no pátio do ginásio, onde esses bravos militantes construíram a cidade dos Sem Terra.

E, de forma muito carinhosa, cumprimento os quase 20 mil delegados e delegadas, os mais de mil Sem Terrinhas, companheiras e companheiros, verdadeiros heróis desta nação, que militam nos 24 estados onde nosso movimento está organizado.

Este Congresso foi transferido algumas vezes por vários fatores. Com certeza, porém, o estamos realizando no momento mais oportuno da História diante da correlação de forças na América Latina.

Oportuno, porque estamos presenciando em todo o mundo a intervenção do imperialismo através das guerras, da invasão de países para disputar os recursos naturais, e de organismos internacionais como o Banco Mundial, o BIRD e o FMI.

Oportuno, porque vivenciamos no Brasil a estrutura do Estado burguês manter os privilégios e a defesa dos interesses das elites, através do Legislativo, do Executivo e do Judiciário.

Oportuno, porque presenciamos o governo brasileiro em seu segundo mandato manter uma política econômica de continuidade, que segue à risca as regras neoliberais, com altas taxas de juros, manutenção do superávit primário e políticas cambial, monetária e tributária de estimulo às exportações.

Um governo que faz reformas e projetos que beneficiam o capital financeiro internacional em detrimento dos direitos dos trabalhadores, conquistados historicamente através da luta ao longo de muitas décadas. Um governo que prioriza as transnacionais, com incentivos à produção de monocultivos, a liberação e uso de transgênicos e agrotóxicos, e trata a Reforma Agrária como compensação social.

Oportuno, porque percebemos no Brasil uma nova face do poder econômico no campo através do agronegócio, organizado pelo latifúndio atrasado e pelas empresas transnacionais, que querem assegurar o controle de nossa água, de nossos recursos naturais, da biodiversidade, das sementes, e roubar a nossa Amazônia, construindo barragens e implementando a transposição do Rio São Francisco. Para nós, trabalhadores brasileiros, deixam um rastro de desemprego e miséria no campo e na cidade.

Por isso, companheirada, nosso V Congresso tem de ser – e será - um marco na História da classe trabalhadora. Um marco contra o imperialismo, um marco contra as políticas neoliberais desse governo, um marco contra as transnacionais, um marco na luta por uma legislação que limite o tamanho máximo da propriedade. E uma certeza na orientação de Florestan Fernandes: não se deixar cooptar, não se deixar esmagar, obter conquistas para o povo.

Um marco na luta e defesa da Reforma Agrária como forma de democratizar a terra, distribuir renda, produzir emprego e trabalho e combater o aquecimento global provocado pelo modelo de sociedade consumista, que não se preocupa com o término dos recursos naturais e suas conseqüências na vida da população.

E, principalmente, um marco na construção das lutas pela manutenção e avanço dos direitos conquistados pela classe trabalhadora, no fortalecimento de nossa unidade, na formação de militantes e lideranças, e na defesa do meio ambiente. E, sobretudo, um marco na construção de um instrumento de luta que reacenda o movimento de massas e possibilite um projeto político, popular, revolucionário, que solucione os problemas sociais do povo brasileiro, da América Latina e do mundo.

No amanhã, certamente nosso V Congresso será considerado um dos maiores eventos de camponeses do Brasil e do mundo. Este reconhecimento não será somente devido ao número de trabalhadores que reunimos, mas pela qualidade das lutas, porque nesses quase 30 anos de nossa longa marcha de enfrentamentos e resistência ao latifúndio e ao capital, superamos enormes e aparentemente invencíveis desafios, conquistamos e construímos uma nova realidade no campo. Nossa força reside no número de pessoas organizadas. Aprendemos que um povo organizado é uma muralha invencível.

Nossa luta cresceu e se multiplicou, nossa organização se espalhou e se enraizou por todo o Brasil, projetamos nossas propostas e nossas idéias por toda a América Latina e em várias partes do mundo, onde conquistamos amizades, fortalecemos a utopia coletiva de um mundo mais justo, cultivamos a solidariedade entre nós e com todos os povos em luta nos 4 continentes.

Chegamos onde muitos de nós não imaginavam chegar no início de nossa organização. Construímos a Escola Nacional Florestan Fernandes, fizemos florescer escolas nos acampamentos e assentamentos espalhados pelo nosso país, empreendendo a luta maior contra a ignorância, derrubando as cercas do latifúndio do conhecimento. Temos nossa campanha nacional em andamento: Todos e Todas Sem Terra estudando. O fruto deste incentivo ao estudo é a própria realização de nosso Congresso. Explico: no passado tínhamos que contratar artistas; hoje, temos capacidade de pintar nosso próprio painel. Ainda temos muito a fazer, enfrentar muitos desafios. Mas já podemos nos honrar de ter e estar formando nossos próprios médicos, pedagogos, agrônomos, advogados, administradores. E ter uma militância com um alto grau de consciência política e ideológica. Aprendemos que ninguém é imprescindível, que quem conduz a organização de massa é o coletivo.

Em toda nossa história de enfrentamentos quase sempre difíceis, sofremos muitas baixas. As armas da usura e a violência do latifúndio, a ganância sem fim dos exploradores, a prepotência das oligarquias, a ação criminosa e assassina dos jagunços e policiais a seu serviço, nos tiraram muitas vidas. Muitos que poderiam estar aqui conosco hoje.

Os que caíram deram um exemplo de dedicação integral à luta pela terra. Tornaram-se nossos guias na construção do futuro. Cultivamos a memória de cada um desses verdadeiros heróis do povo, vítimas da violência e impunidade do latifúndio, com todo nosso afeto e respeito. O sangue desses bravos brasileiros nos fortalece e nos dá certeza da vitória que virá, como cantamos em nosso Hino.

No entanto, pior que a morte física, é a fragilidade ideológica de companheiras e companheiros de luta. Este é o desafio que nos provoca e convoca a cerrar fileiras para enfrentá-la e derrotá-la definitivamente. Nossos inimigos sabem que a arma mais eficaz para nos derrotar é a morte de nossos valores, a morte da crença em nossa profunda solidariedade, de nossa dedicação integral à construção de um novo mundo para nossas filhas e filhos e para as próximas gerações. Não tenhamos dúvida: podem nos tirar tudo, menos os valores socialistas e humanistas.

O capitalismo com sua ideologia de culto ao egoísmo e ao dinheiro, de veneração à propriedade privada, à concentração da terra, de exploração do homem pelo homem, sabe se infiltrar nos corações e mentes. Ninguém é imune, nem as grandes referências que temos na luta. É neste momento que começa a derrota, companheirada, e onde podemos nos enfraquecer coletivamente. Por isso, precisamos reforçar nossa firmeza ideológica.

É fundamental compreendermos profundamente, com a cabeça e o coração, as razões maiores de nossa luta, sabermos assumir por inteiro nossos sonhos e valores humanos, cultivando nosso espírito de luta, para estarmos sempre à altura dos desafios, enfrentá-los e vencê-los, sem deixar nenhuma brecha para o vírus do capitalismo. Do ponto de vista humanista e socialista, o MST já é patrimônio da humanidade. Por isso temos de cuidar.

Nosso V Congresso também tem de ser um marco para continuarmos vencendo esses desafios. Precisa ser um marco no fortalecimento do método revolucionário de direção. Precisamos fortalecer o espírito de pertença, como Oziel Alves, jovem de 17 anos que entregou sua vida ao defender nossos princípios e a Reforma Agrária.

É necessário fortalecer nossa democracia e participação. Vencer o medo de falar, participar ativamente dos processos de tomada de decisão. Garantir que as mulheres e os jovens assumam cada vez mais o comando de nossa organização para, assim, revigorar as instâncias de decisão, respeitando as determinações tomadas pelos coletivos. E aprender com as lições de outras organizações que existiram antes de nós.

Precisamos avançar na organização do lugar da infância no MST, pensar as crianças como sujeitos de direito, como vivem nos assentamentos, como estudam e como a comunidade vai assumir o processo de formação dos Sem Terrinha. Através da educação nas cirandas e nas escolas se dá a formação destes pequenos e pequenas. É o que lhes permitirá desde cedo formar consciência de pertença à organização da classe trabalhadora. O futuro do MST depende do que fazemos hoje com nossas crianças. Nos ensinou Mão Tse Tung: "se temos um projeto para um ano, semeamos cereais. Se temos projetos para dois anos, plantamos árvores. Mas se nosso projeto é para a vida toda, devemos educar e formar as pessoas".

Precisamos, sobretudo, cuidar e valorizar nosso maior patrimônio, que é a nossa MILITÂNCIA. Esta militância, mesmo com todas as dificuldades e problemas, faz o MST acontecer, cuida e constrói a base de sustentação do Movimento, que é a unidade, disciplina e participação.

Portanto, quanto mais numerosos formos, homens e mulheres do Brasil e do mundo, mais concreta, mais irreversível e mais fecunda será a conquista. Quanto mais qualidades humanas e valores tiverem nossas ações, nossas atitudes, nossa revolucionária ação coletiva, tanto maior e tanto mais próxima estará nossa vitória.

Não podemos nos esquecer que a luta dos trabalhadores é internacional. Não faremos a revolução isoladamente. É a soma de todas as lutas e o acúmulo de forças que nos farão vencer. Por isso, as vitórias eleitorais ocorridas em vários países da América Latina significam o início da derrota do projeto das elites e dos organismos internacionais que pregam o ajuste fiscal e a diminuição do papel do Estado. A eleição de governos voltados para os interesses de seus povos é de fundamental importância para a reorganização política, social e econômica destes países.

Aos movimentos sociais, cabe o papel de fortalecer suas organizações e a luta, para que essas vitórias eleitorais representem acúmulo para a classe trabalhadora. Sem perder sua autonomia política frente aos partidos e governos. E que na disputa de projeto com a burguesia não se perca o rumo das mudanças necessárias.

Em que pese essas vitórias eleitorais, não podemos deixar de ressaltar o papel nefasto da mídia conservadora nesses países. Com medo de perder poder, manipula as informações na tentativa de construir hegemonia em torno de seu projeto de sociedade. Por isso, manifestamos nossa solidariedade ao governo e ao povo da Venezuela pela coragem na luta pela democratização dos meios de comunicação, sem a qual nunca teremos verdadeiras democracias na América Latina.

No Brasil a mídia é tão servil que todos os dias tenta criminalizar os movimentos sociais. Não consegue porque os movimentos sociais estão enraizados no conjunto da sociedade.

Não conhecem nossa organização, nosso modelo de agricultura baseado nos princípios da agroecologia, nossa forma de produção. Não reconhecem nossa organização, nosso projeto de educação e participação. Nos chamam de revolucionários como forma de nos enquadrar em um mero recurso de linguagem, como se o modelo de sociedade que defendemos significasse atraso e retrocesso na chamada modernidade.

Não devemos ter medo de sermos chamados de revolucionários, porque graças à nossa luta e organização estamos vendo milhares de pessoas que antes passavam fome e hoje se alimentam com fartura todos os dias. Estamos vendo centenas de pessoas que antes eram analfabetas, nunca haviam tido oportunidade de sentar num banco de escola, hoje lendo, escrevendo e, muitos de nós, freqüentando a universidade. Estamos vendo pessoas que antes encontravam-se em um grande nível de degradação social, hoje cultivando valores essenciais à vida de todo ser humano, como o amor, a solidariedade, a cooperação, o cuidado. Gente com dignidade! Isto é revolucionário!!!!!!!!

Continuemos lutando e cantando, como diz o poeta: só é cantador quem traz no peito o cheiro e a cor de sua terra, a marca de sangue de seus mortos e a certeza de luta de seus vivos!

Por isso, em nome dos grandes lutadores e ideólogos do socialismo no mundo, como Karl Marx e Rosa Luxemburgo.

- Em nome dos lutadores do socialismo e da revolução na América Latina, como Che Guevara e Aidê Santamaria.

- Em nome dos grandes estudiosos, pensadores e socialistas brasileiros como Josué de Castro, Madre Cristina e Paulo Freire.

- Em nome dos poetas negros e revolucionários brasileiros como Maria Carolina de Jesus e Mário Lago.

- Em nome daqueles que plantaram a nossa semente como as Ligas Camponesas, Contestado e Canudos.

- Em nome dos mártires da luta pela terra como Irmã Doroty e Teixerinha.

- Em nome de todos os movimentos que compõem a Via Campesina Brasil.

- E em nome da Direção Nacional e das famílias do MST, com muito amor, com muita alegria e com muita esperança na construção da Reforma Agrária, por justiça social e soberania popular, declaro aberto o V Congresso Nacional do MST!!!!!!!!

5° Congresso Nacional do MST - Brasilia, 11 de junho de 2007.